Gabriel Soares foi senhor de engenho na Bahia, e é razoável supor que tinha grande interesse na prosperidade de seu empreendimento. Porém, em oposição a muitos colonizadores, cujo único objetivo era enriquecer tão rápido quanto possível, deve ter dedicado muito tempo em aprender tudo o que podia sobre o Brasil: relevo, hidrografia, vegetação, fauna... Ao que parece, tinha verdadeira sede de conhecimento. Como informações em primeira mão vinham, não raro, da população ameríndia, travou contato com ela. Por isso, ao escrever o Tratado Descritivo do Brasil em 1587 teve muito a dizer, não somente sobre o território colonial, mas também sobre seus habitantes. Chega a ser surpreendente a quantidade de detalhes nas informações que, graças a seu livro, chegaram até nós. Comparando-as aos escritos de outros autores quinhentistas, como Anchieta e Pero de Magalhães Gândavo, é possível esboçar um panorama do Brasil na época, e, malgrado eventuais erros ou exagerada credulidade desses escritores, devemos muito a eles. Provenientes de culturas ágrafas, povos indígenas mencionados pelos autores coloniais não deixaram suas próprias informações escritas, para que pudéssemos estudar.
Há quem pense que todos os povos indígenas do Brasil desconheciam o uso de sal na alimentação. Ora, meus leitores, o testemunho de Gabriel Soares mostra que tal ideia não corresponde à realidade. Embora grupos que viviam nas florestas interiores de fato não empregassem sal no preparo de alimentos, alguns, especialmente os que viviam perto do litoral, sabiam como obtê-lo, de diferentes fontes e por diferentes processos. É o que veremos agora.
Sal para os indígenas de Cabo Frio
De acordo com Gabriel Soares, tudo o que os indígenas da região de Cabo Frio precisavam fazer para obter sal era esperar a ocasião certa a cada ano:
"Por esta baía entra a maré muito pela terra adentro, que é muito baixa, onde de 20 de janeiro até todo o fevereiro se coalha a água muito depressa, e sem haver marinhas tiram os índios o sal coalhado e duro, muito alvo, às mãos-cheias, de debaixo da água [...]." (¹)
Como os tapuias da Bahia salgavam os alimentos
Tapuias eram chamados os indígenas que não falavam tupi, e que, como regra geral, não viviam junto à faixa litorânea. Por essa razão, os tapuias do sertão da Bahia, segundo informação de Gabriel Soares, desenvolveram um método algo complexo para salgar os alimentos:
"Costumam estes tapuias, para fazerem sal, queimarem uma serra de salitre, que está entre eles, de onde tomam aquela cinza, e a terra queimada, lançam-na na água do rio em vasilhas, a qual logo fica salgada, e põem-na ao fogo onde a cozem [...] até que se coalha, e fica feito o sal em um pão, e com este temperam seus manjares [...]." (²)
(1) SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. Rio de Janeiro: Laemmert, 1851, p. 81.
(2) Ibid., p. 353.
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