Parece óbvio que barbeiros são profissionais especializados em aparar barba e cabelo, certo? Já houve tempo, porém, em que, no Brasil, barbeiros tinham, além dessas, outras atribuições. Mas, a título de curiosidade, vamos começar pela Roma Antiga, onde o hábito de fazer a barba foi introduzido muito depois da origem da cidade. Pelo menos, é o que diz Plínio, o Velho (¹), no Livro VII de Naturalis historia:
"De acordo com Varrão, os primeiros barbeiros que vieram a Roma foram trazidos da Sicília por Públio Titínio Mena no ano 454 da fundação da cidade (²); antes disso, os romanos jamais se barbeavam. [...]. O divino Augusto sempre manteve o hábito de se barbear." (³)
Passemos agora ao Brasil, onde, por muito tempo, a escassez de profissionais de saúde devidamente qualificados foi enorme, e, por essa razão, barbeiros tiveram uma gama de atribuições que não se restringiam ao corte de barba e cabelo. Vejam, leitores, este relato feito pelo militar alemão C. Schlichthorst (⁴), sobre a experiência de ter a barba devidamente aparada por um barbeiro português no Rio de Janeiro, a capital do Império:
"Não preciso recear a mão pesada dum barbeiro alemão. A aveludada e perfumada mão dum português de Portugal, como gostam de ser chamados os brasileiros vindos da Metrópole, ata-me ao pescoço imensa toalha guarnecida de rendas, ensaboa-me durante cinco minutos com água de flor de laranjeira e gasta dez para raspar minha barba com outras tantas navalhas, sem que eu sinta mais do que o leve roçar do aço e um pouquinho de tédio. Depois de empoar-me o rosto para amaciar a pele, o fígaro penteia meus cabelos e gasta muito tempo quanto pomada para dar-lhe uma forma elegante. E ainda não acabou! Oferece-se para arrancar-me este ou aquele dente, o que cortesmente não aceito. Então, lava-me o rosto e fricciona-me a nuca com a mesma água de flor, apresenta-me o espelho e diz com profunda mesura: - 'Vossa Excelência está preparado para fazer sua reverência à dama de seu coração'." (⁵)
Barbeiros ambulantes trabalhando no Rio de Janeiro na primeira metade do Século XIX, de acordo com Debret (⁶) |
Schlichthorst entrou, está claro, em uma barbearia algo sofisticada. Contudo, havia, nesse tempo, até barbeiros ambulantes nas ruas do Rio de Janeiro, e deles não seria possível exigir tantos cuidados. Suponho, porém, que os leitores devem ter ficado um tanto intrigados com a proposta feita pelo barbeiro, quanto à extração de dentes. Ora, não se espantem, era coisa comum no Século XIX. E não só: barbeiros também eram chamados para fazer sangrias, recomendadas principalmente quando alguém tinha febre. O avanço dos conhecimentos científicos desobrigou os barbeiros de tal prática, poupando, com isso, muitas vidas.
Esta lista de barbeiros e sangradores estabelecidos na capital do Império foi publicada na edição de 1854 do Almanaque Laemmert (⁷). Observem-na atentamente e vejam que, além dos serviços tradicionais de um barbeiro, eram também oferecidas aplicações de ventosas e sanguessugas (hirudíneos).
(1) 23 - 79 d.C.
(2) 300 a.C.
(2) 300 a.C.
(3) Naturalis historia, Livro VII. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(4) Esteve no Brasil pouco depois da Independência, como oficial do Segundo Batalhão de Granadeiros do Império.
(5) SCHLICHTHORST, C. O Rio de Janeiro Como É (1824 - 1826). Brasília: Senado Federal: 2000, pp. 86 e 87.
(6) DEBRET, J. B. Voyage Pittoresque et Historique au Brésil vol. 2. Paris: Firmin Didot Frères, 1835. O original pertence à Brasiliana USP; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(7) LAEMMERT, Eduardo. Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro Para o Ano de 1854. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1854, pp. 512 e 513.
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