Qual seria a ocupação mais honesta e rentável para um romano da Antiguidade? O austero Marco Pórcio Catão (¹), que escreveu De agri cultura, achava que era o cultivo do solo. Demos a palavra a ele, portanto:
"O comércio, não fora os riscos que encerra, seria uma atividade tão recomendável quanto propícia ao enriquecimento; o mesmo poderia ser dito dos banqueiros, desde que honestos. Pensando nisso, nossos antepassados fizeram constar nas Leis que um ladrão estava obrigado a restituir em dobro aquilo que roubasse, enquanto que os usurários seriam condenados à restituição do quádruplo, evidenciando, assim, que, em seu julgamento, os usurários eram cidadãos piores que os ladrões. Por outro lado, sempre que pretendiam elogiar um homem, diziam-no proprietário de terras e bom agricultor [...]."
Depois de afirmar que tinha os bons comerciantes em alta conta, lamentando, porém, os riscos em que incorriam, o mesmo Catão alardeava as vantagens que supunha haver na agricultura:
"É dos labores do solo que emergem os melhores cidadãos, fisicamente vigorosos e ótimos soldados (²), resultando da agricultura um ganho honesto, absolutamente seguro e não sujeito à inveja [de quem quer que seja]." (³)
Convido os leitores a uma reflexão sobre quais seriam os riscos envolvidos no comércio em larga escala na Antiguidade. Primeiro,. comerciantes precisavam viajar muito, por terra e por mar, e as viagens, nesse tempo, podiam ser bastante perigosas. Além disso, mercadorias eventualmente se estragavam ou "desapareciam" por obra de ladrões. Talvez os potenciais compradores não se interessassem pelos artigos à venda e, no caso de Roma, incêndios em armazéns adjacentes ao porto de Ostia não eram um fenômeno desconhecido. Finalmente, havia a ameaça de piratas que, à espreita em áreas litorâneas pouco habitadas, aguardavam uma oportunidade para a captura de embarcações que iam e vinham pelo grande "lago salgado" romano em que o Mediterrâneo se tornara após a destruição de Cartago.
Contudo, também a agricultura envolvia riscos. Falta de chuva ou estiagem prolongada, um inverno demasiado rigoroso ou um verão escaldante, podiam arruinar o trabalho de uma temporada. Mas não era só: se houvesse guerra, talvez acontecesse que, por conveniência estratégica, uma fértil área de cultivo fosse transformada em campo de batalha, sem falar nas pilhagens feitas por inimigos ou na possibilidade do confisco de toda a lavoura, já pronta para a colheita, para sustento das tropas. Nessas condições, como alguém podia supor que a agricultura fosse uma atividade isenta de contratempos? E por que, afinal, Catão via nos proprietários de terra figuras tão dignas de elogios?
O motivo, meus leitores, talvez possa ser encontrado no próprio Catão, cuja vida transcorreu em uma época na qual, como resultado das conquistas militares, o luxo ia já invadindo Roma e caindo no gosto de seus outrora rústicos habitantes. Nesse cenário, Marco Pórcio Catão teimava, como político, em buscar a aprovação de leis que limitassem os gastos e obrigassem a gente abastada a viver "como nos velhos tempos", em que líderes militares romanos deixavam o arado para empunhar armas e, vitoriosos, voltavam rapidamente ao trabalho, para não prejudicar a lavoura. Era assim, idilicamente agropastoril, que Catão supunha a Roma ideal. Mas estava sem sorte: seus concidadãos tinham outras ideias, o comércio experimentava um crescimento absurdo, a agricultura perdia importância e o cultivo do solo era entregue a prisioneiros de guerra escravizados. Roma, senhora de uma parte considerável do planeta, passou, pouco a pouco, a depender das remessas de cereais que vinham de outras terras - principalmente do Egito - para sobreviver. O Século seguinte à morte de Catão se encarregou de consolidar essa nova tendência.
(1) 234 - 149 a.C.
(2) Lembrem-se, leitores: Catão foi um combatente na Segunda Guerra Púnica.
(3) Os trechos citados de De agri cultura foram traduzidos por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
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