Véspera de Natal, 1653: uma expedição percorre o rio Tocantins. Para os jesuítas que dela participam, o objetivo é estabelecer contato com indígenas que pretendem catequizar. Mas vão também colonizadores, e estes têm outras ideias (¹). A data, porém, pede celebração. Mas, que fazer, em meio à floresta?
A simplicidade deu o tom, pelo que se depreende de um relato feito pelo padre Antônio Vieira, que liderava os missionários jesuítas:
"Tínhamos determinado fazer alto neste dia mais cedo que nos outros, para gastar toda a tarde em adereçar uma capela de palma, em que celebrar com mais decência os mistérios desta sagrada noite, mas não tivemos lugar para mais que de engenhar uma pequena choupana mal coberta com as toldas das canoas, aonde armamos o nosso altar. [...]." (²)
Aos missionários não ficou sequer a alegria de celebrar missa com todos reunidos. É que uma das canoas não acompanhou o ritmo das demais, conforme explicação do próprio Vieira:
"Não nos achamos juntos mais que os padres Francisco Veloso, Manoel de Sousa e eu, porque o padre Antônio Ribeiro com a sua canoa não pôde avançar tanto, e ficou em outro lugar, aonde também aportaram algumas canoas que não estavam conosco, e por esta tardança e apartamento vieram uns e outros a ter a consolação da santa missa aquela noite." (³)
Desse modo, a ocasião foi marcada pela celebração de missas e por uma refeição muito simples - quem esperaria encontrar uma autêntica ceia de Natal em meio às águas e matas ainda desconhecidas para europeus? Sigamos com as informações do padre Vieira:
"O padre Antônio Ribeiro contentou-se só com a água sem farinha, os demais [...] não tiveram mais sobre a farinha que um pouco de peixe seco, mas Deus tempera de maneira estes regalos que os não trocarão os que gostam deles pelos maiores do mundo. O trabalho tão extraordinário de todo o dia parece pedia o descanso da noite, mas toda ela se passou em vela sobre a terra nua da choupana, oferecendo cada um ao Menino nascido não só os desamparos de seu Belém, mas as saudades da devoção e concerto que esta santa noite celebra nos colégios da Companhia. À meia-noite dissemos três missas, que todos ouviram, as demais se disseram às suas horas, e no dia comungaram alguns portugueses e alguns índios." (⁴)
Entre preces e reflexões que talvez não ousassem compartilhar, missionários passaram as horas do Natal. Fatigados pela viagem, a mente inquieta pelo temor quanto às péssimas intenções de alguns integrantes da expedição, deram as boas-vindas a algum repouso. Concluindo o informe desse Natal atípico, Vieira escreveu: "Por celebridade do dia não fizemos jornada nele [...]." (5)
(1) A ideia, óbvia para quem conhece alguma coisa sobre a conduta dos colonizadores da época, era escravizar indígenas.
(2) Cf. MORAES, José de S.J. História da Companhia de Jesus na Extinta Província do Maranhão e Pará. Rio de Janeiro: Typographia do Commercio, 1860, p. 467.
(3) Ibid.
(4) Ibid.
(5) Ibid.
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