O tipo de celebração do Natal que alguém escolhe depende, ao menos em parte, da tradição religiosa que se tem (ou que não se tem). Em um país multicultural como é o Brasil, existe um verdadeiro amálgama de costumes relacionados aos festejos natalinos, formado principalmente a partir do enorme afluxo de imigrantes desde fins do século XIX até cerca da metade do século XX. Disso resulta uma grande variedade de tradições quanto aos alimentos típicos da data, aos hábitos no presentear e, talvez por algo que já tenha sido uma certa nostalgia da terra de origem, uma tentativa de reviver no verão do Hemisfério Sul o inverno europeu, tentativa essa que, reforçada por interesses comerciais, resulta, às vezes, em hilariantes espetáculos de neve artificial sob o mais tórrido sol de dezembro. Isso explica, também, porque em muitos presépios, por exemplo, as personagens vestem trajes típicos do início da era moderna, não relacionados, pois, às origens do Natal.
Como descobrir, no entanto, quais eram, no Brasil, os hábitos associados ao Natal antes disso, antes que o fenômeno da imigração e a aceleração das comunicações tornasse a celebração do Natal um tanto padronizada, ao menos no Ocidente?
Como descobrir, no entanto, quais eram, no Brasil, os hábitos associados ao Natal antes disso, antes que o fenômeno da imigração e a aceleração das comunicações tornasse a celebração do Natal um tanto padronizada, ao menos no Ocidente?
Há vários caminhos possíveis, e seguiremos, nesta postagem, dois deles: as imagens da época e a literatura.
Começando pela literatura, selecionei dois trechinhos, um de Alencar, outro de Machado. O primeiro deles, que aparece em O Tronco do Ipê, é interessantíssimo por mostrar toda a azáfama da preparação da festa de Natal em um ambiente rural, de fazenda - quase podemos ver a alegria dos que preparam enfeites, a pressa de quem trabalha na cozinha (o que nos permite investigar o que seria servido); quase podemos ouvir o som das músicas que vão sendo ensaiadas. É só ler:
"Era antevéspera de Natal. Na Casa Grande tudo estava em movimento e rebuliço com os preparativos da festa. À exceção da baronesa, a quem nada podia arrancar de sua fleuma desdenhosa, cada uma das pessoas da fazenda se ocupava em qualquer dos vários arranjos para a função do Natal que esse ano prometia ser ainda mais chibante do que de costume.
Alice, que dirigia os aprestos, distribuíra a cada um sua tarefa, da qual não escaparam nem o dono da casa, nem os hóspedes. O barão fora encarregado de escrever nos rótulos de prata das garrafas os nomes dos vinhos e fazer as encomendas para a Corte. O conselheiro devia dar uns versos para a cantiga do Natal. D. Luísa e Adélia recordavam ao piano as músicas de canto e dança. D. Alina se incumbira do arranjo dos quartos para os convidados. Lúcio e Frederico, armados ambos de tesoura, recortavam papel dourado, prateado e de várias cores, destinado a fazer rosetas para os castiçais, ou mangas para os presuntos e pernas de carneiro." (¹)
Muito significativo, não? O segundo trecho que escolhi aparece em um conto de Machado de Assis, e traz em si a revelação de que, ao menos em alguns casos, até mesmo os escravos podiam ser incluídos na celebração de Natal, recebendo algum presente, ainda que modesto:
"Quatro dias antes do dia marcado para o meu casamento, era a festa do Natal. Minha mãe costumava dar festas às escravas. Era um costume que lhe deixara minha avó. As festas consistiam em dinheiro ou algum objeto de pouco valor." (²)
Finalmente, no que se refere às imagens de época, há uma gravura muito curiosa e, para nossos olhos do século XXI, até divertida. É de Debret, e tem por título "Presentes de Natal" (³):Começando pela literatura, selecionei dois trechinhos, um de Alencar, outro de Machado. O primeiro deles, que aparece em O Tronco do Ipê, é interessantíssimo por mostrar toda a azáfama da preparação da festa de Natal em um ambiente rural, de fazenda - quase podemos ver a alegria dos que preparam enfeites, a pressa de quem trabalha na cozinha (o que nos permite investigar o que seria servido); quase podemos ouvir o som das músicas que vão sendo ensaiadas. É só ler:
"Era antevéspera de Natal. Na Casa Grande tudo estava em movimento e rebuliço com os preparativos da festa. À exceção da baronesa, a quem nada podia arrancar de sua fleuma desdenhosa, cada uma das pessoas da fazenda se ocupava em qualquer dos vários arranjos para a função do Natal que esse ano prometia ser ainda mais chibante do que de costume.
Alice, que dirigia os aprestos, distribuíra a cada um sua tarefa, da qual não escaparam nem o dono da casa, nem os hóspedes. O barão fora encarregado de escrever nos rótulos de prata das garrafas os nomes dos vinhos e fazer as encomendas para a Corte. O conselheiro devia dar uns versos para a cantiga do Natal. D. Luísa e Adélia recordavam ao piano as músicas de canto e dança. D. Alina se incumbira do arranjo dos quartos para os convidados. Lúcio e Frederico, armados ambos de tesoura, recortavam papel dourado, prateado e de várias cores, destinado a fazer rosetas para os castiçais, ou mangas para os presuntos e pernas de carneiro." (¹)
Muito significativo, não? O segundo trecho que escolhi aparece em um conto de Machado de Assis, e traz em si a revelação de que, ao menos em alguns casos, até mesmo os escravos podiam ser incluídos na celebração de Natal, recebendo algum presente, ainda que modesto:
"Quatro dias antes do dia marcado para o meu casamento, era a festa do Natal. Minha mãe costumava dar festas às escravas. Era um costume que lhe deixara minha avó. As festas consistiam em dinheiro ou algum objeto de pouco valor." (²)
(1) ALENCAR, José de. O Tronco do Ipê.
(2) ASSIS, J. M. Machado de. Mariana.
(3) DEBRET, J. B. Voyage Pittoresque et Historique au Brésil vol. 3. Paris: Firmin Didot Frères, 1839. O original pertence à Brasiliana USP; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
Veja também:
Boa tarde!
ResponderExcluirGostaria de agradecer por esta publicação, que, hoje, em 2016, me foi de muita ajuda. Estou escrevendo um romance que se passa no Brasil do século XIX, e me deparei com essa questão do natal. Saí às buscas e encontrei esse blog com esse texto que caiu como uma luva!
Muito obrigado. Continue com o trabalho!
Att
Matteus Gomes
Olá, Matteus, fico muito feliz por saber que o post foi útil ao seu trabalho como escritor. Obrigada pela visita ao blog.
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