Ao contrário do que muitos pensam, os mestres renascentistas, de um modo geral, não puseram de lado, em suas obras, as temáticas religiosas. O simples fato de serem, muitos deles, apaixonados pelo que conheciam da arte e do universo greco-romanos, não significou o abandono dos assuntos bíblicos. Apenas adicionou um novo repertório às suas possibilidades de expressão artística. Aliás, o mundo em que viviam girava, em muitos de seus aspectos, ao redor de um eixo, por assim dizer, religioso. Por isso, quase não há artista do Renascimento, seja italiano ou de outra nacionalidade, que não tenha, em alguma de suas obras ou em várias delas, retratado, por exemplo, Maria com Jesus, ainda menino, nos braços. É o caso de Albrecht Dürer, alemão de Nürnberg que, como muitos outros grandes nomes de sua época, interessou-se por uma grande variedade de ramos do conhecimento, deixando livros até sobre anatomia, engenharia militar e estudos de simetria (um assunto que seus contemporâneos amavam), mas sendo hoje mais famoso como artista plástico. Tinha, a seu favor, o fato de poder imprimir suas obras, em tempos nos quais imprimir livros começava a ser um grande negócio, atingindo um público muito maior de leitores-consumidores do que aquele que, nos séculos anteriores, tinha acesso a obras de arte, por assim dizer, somente "ao vivo".
Em tempos anteriores ao moderno desenvolvimento da pesquisa histórica e arqueológica, era comum que os grandes artistas, neste caso os do Renascimento, representassem cenas ambientadas na Antiguidade em meio ao panorama típico dos séculos XV e XVI. Observa-se isso facilmente em obras dos grandes mestres italianos, e, na Alemanha de Dürer, as coisas seguiram pelo mesmo caminho.
Ora, seguindo esta lógica, não chega a ser surpresa encontrar, nesta gravura de c. 1506, Maria e Jesus em meio a um cenário natural e arquitetônico bem germânico. O que causa espanto e de germânico não tinha nada, nem teria em nosso tempo, a não ser em jardins zoológicos, é o espécime animal que se encontra no canto inferior esquerdo. Consegue identificá-lo, leitor? Essa gravura é usualmente chamada "Maria mit dem Affen". Conclusão: é um macaco...
Quem achar que não é muito parecido com um símio deve lembrar-se de que, no século XVI e mesmo muito depois, as pessoas não costumavam ter muita intimidade com animais não nativos de sua região, e Albrecht Dürer, com alta probabilidade, nunca tinha visto um. Esse desconhecimento não acontecia somente na Europa. Basta recordar, a título de exemplo, da reação de verdadeiro espanto dos nativos da América diante dos primeiros cavalos que viram. Lembra também, de certa forma, o terror do exército romano, na Antiguidade, diante dos elefantes de Pirro ou de Aníbal.
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