Quem anda pelas ruas logo percebe que, nesta época do ano, são intensos os preparativos para as festas de Natal e Ano-Novo. Vitrines estão repletas de luzes e produtos convidativos. A decoração, a seu modo, aquece o coração das pessoas que, com certa sensação de felicidade, se dispõem a gastar mais.
Com a ajuda da imaginação, voltemos ao começo do Século XVII, para ver o que acontecia na pequena vila de São Paulo, quando Natal e Ano-Novo se aproximavam. A vida era simples e rústica, como só poderia ser na povoação encarapitada no planalto e que apenas podia ser alcançada, vindo do litoral, por quem se dispunha a escalar o complicado Caminho do Mar. Muito de sua população vivia, durante a semana, não na vila, propriamente, mas nas fazendas e aldeias das redondezas. Aos domingos e feriados, para ouvir missa, é que essa gente punha os pés em São Paulo. Portanto, para que a vila não fizesse má figura durante as celebrações de final de ano, os oficiais da Câmara, naquele distante 1602, mandaram que uma providência essencial fosse tomada de imediato:
"Aos quatorze dias do mês de dezembro de mil e seiscentos e dois anos, nesta vila, na casa da Câmara dela, estando aí os oficiais da Câmara José de Camargo e Francisco da Gama, vereadores, e Francisco Velho, juiz, e João de Santana, procurador, [...] acordaram o seguinte, que se mandasse lançar pregão que carpam as ruas para a festa [...]." (¹)
Pensem comigo, leitores: se era preciso carpir as ruas para a festa, como eram elas habitualmente? Eram os próprios moradores que executavam o trabalho de manutenção, fazendo-o por si mesmos ou por meio de seus escravos ou "administrados" (²). A Câmara era pobre, muito pobre, como já mostrei em outros textos neste blog, e não dispunha de funcionários para fazer a conservação de áreas públicas. Ao menos neste caso, a religiosidade imperante na época devia ser motivo para que a limpeza das ruas se fizesse sem muitos protestos. Era o espírito do Natal em ação, à moda colonial.
(1) Este trecho de ata da Câmara de São Paulo foi transcrito na ortografia atual, com acréscimo da pontuação indispensável à compreensão.
(2) "Administrado" era um eufemismo legalmente utilizado na época para se referir ao indígena que, na prática, era escravizado por um colonizador.
Veja também: