Era 1736. Paulistas já haviam encontrado ouro "nos Goyazes" (¹) e no "sertão do Cuiabá". Portanto, estavam ocupados povoar em a região, ao mesmo tempo em que reviravam a terra à cata do tão cobiçado metal. Quase não havia córrego que não fosse explorado, ainda que ouro, em profusão, nem sempre viesse. Nesse tempo, colonizadores de origem portuguesa andavam às turras com os vizinhos "castelhanos". Afinal, mesmo que ninguém soubesse exatamente por onde passava a "linha" - uma referência aos limites estipulados no Tratado de Tordesilhas - havia certa desconfiança de que os súditos de Portugal já vinham, há muito tempo, entrando em terras que, ao menos pelo acordo de 1494, deviam ser de Espanha. Deviam, mas...
Sendo essas as circunstâncias, Manoel Dias da Silva, à frente de um grupo armado, foi ao chamado "Sertão da Vacaria". Não achou os castelhanos, que, de acordo com a Nobiliarchia Paulistana, já haviam se recolhido às povoações em que residiam. Achou, porém, um monumento por eles deixado, atestando a posse da área para o monarca espanhol. Conta Pedro Taques de Almeida Paes Leme (²), autor da Nobiliarchia, que o dito marco era "um padrão de pedra lavrada, em forma de cruz, posta ao alto, a que servia de base outra pedra em figura triangular, de seis palmos de alto, com proporcionada grossura à altura do padrão; nele estavam abertas as letras do idioma castelhano, que diziam: "Viva el-rei de Castela, senhor dos domínios destas campanhas"".
Se podemos crer no que escreveu Pedro Taques, Manoel Dias e sua gente trataram de pôr abaixo o monumento, substituindo-o por outro. Na impossibilidade de erguer um marco de pedra, foi usada a melhor madeira disponível: "Do madeiro mais grosso e menos corruptível mandou lavrar em quatro faces uma cruz (³), em que lhe gravou as letras no idioma português, que diziam: "Viva o muito alto e muito poderoso rei de Portugal D. João V, senhor dos domínios deste sertão da Vacaria"."
É difícil saber se as coisas aconteceram assim, como é também duvidoso se alguma vez el-rei tomou conhecimento de tão notável dedicação da parte de seus súditos. Contudo, foi no fim do reinado de D. João V que se costurou o Tratado de Madri (⁴), com a intenção de colocar termo às divergências em relação às fronteiras entre terras de Portugal e Espanha na América do Sul.
Mais interessante, talvez, seja o registro do método usado por paulistas quando, em perseguição a quem quer que fosse, precisavam descobrir por onde andava o seu "alvo". Disso somos informados também por Pedro Taques, justamente ao narrar as aventuras de Manoel Dias. Lembrem-se, leitores, de que paulistas desse tempo não eram notáveis por conhecimentos acadêmicos de geografia; mapas, à exceção de garatujas feitas por sertanistas, eram quase inexistentes e, como é óbvio, não era possível consultar um GPS: "[...] até pela figura dos ranchos e cinzas do fogão conheciam os sertanistas, pouco mais ou menos, o tempo que tinha passado depois que naquele sítio estivera alguma tropa [...]."
Em suma, essa gente tinha o faro do sertão. Com quem tal habilidade fora aprendida? Com indígenas, certamente. Aliás, muitos paulistas desse tempo eram mamelucos. O lado trágico da questão é que esse mesmo conhecimento foi empregado, muitas vezes, com o objetivo de caçar e aprisionar ameríndios para escravização.
(1) Era essa a grafia na época.
(2) 1714 - 1777.
(3) Observe-se o uso que era feito do símbolo da cruz, tanto por colonizadores espanhóis como por portugueses.
(4) 1750.
Veja também:
(2) 1714 - 1777.
(3) Observe-se o uso que era feito do símbolo da cruz, tanto por colonizadores espanhóis como por portugueses.
(4) 1750.
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