Um escravo desobediente podia ser mandado, por seu próprio senhor, para a prisão - a famosa "Casa de Correção", lugar para o qual eram também enviados os escravos que cometessem delitos em áreas públicas. Daniel P. Kidder, missionário e pastor metodista que viveu na capital do Brasil nos últimos anos do Período Regencial, observou, a respeito das Casas de Correção:
"É para aí que se mandam os escravos desobedientes ou insubordinados. Os negros são recebidos a qualquer hora do dia ou da noite e aí ficam até que os seus senhores os venham reclamar. Seria realmente de admirar se de vez em quando não se dessem aí cenas de requintada crueldade." (¹)
Já o calabouço era reservado para fugitivos, ainda que os senhores eventualmente também mandassem escravos para lá. Tem-se também descrição de Daniel P. Kidder:
"Trata-se de masmorra construída numa ponta de terra que se projeta para a baía, mesmo em frente à cidade [Rio de Janeiro], onde os escravos fugitivos são encarcerados até que sejam procurados pelos respectivos donos." (²)
Pode parecer estranho que proprietários de escravos, interessados antes no trabalho dos cativos que em mantê-los presos, decidissem mandá-los ao calabouço. No entanto, devemos ter em conta que a horrível prisão servia para aterrorizar, desencorajando atos de desobediência ou fugas. Entrava em ação, também, quando um escravo recém-chegado ao mercado parecia rebelde à sua "nova condição". Tanto é verdade que, uma das personagens do universo machadiano, Cotrim, um comerciante (entenda-se: contrabandista) de escravos, que aparece em Memórias Póstumas de Brás Cubas (cunhado da personagem principal), é descrito como alguém que tinha inimigos, em decorrência das maneiras pouco suaves, atribuindo o autor, porém, esses traços à natureza de sua "ocupação":
"Como era muito seco de maneiras tinha inimigos, que chegavam a acusá-lo de bárbaro. O único fato alegado neste particular era o de mandar com frequência escravos ao calabouço, donde eles desciam a escorrer sangue; mas, além de que ele só mandava os perversos e os fujões, ocorre que, tendo longamente contrabandeado em escravos, habituara-se de certo modo ao trato um pouco mais duro que esse gênero de negócio requeria, e não se pode honestamente atribuir à índole original de um homem o que é puro efeito de relações sociais."
Teria Machado escrito essas linhas com uma ponta de cinismo? Não podemos ter certeza em grau absoluto, é claro, mas a ironia da crítica social transparece, a meu ver, até pelo teor sarcástico que, finamente, predomina nas Memórias Póstumas.
"Trata-se de masmorra construída numa ponta de terra que se projeta para a baía, mesmo em frente à cidade [Rio de Janeiro], onde os escravos fugitivos são encarcerados até que sejam procurados pelos respectivos donos." (²)
Pode parecer estranho que proprietários de escravos, interessados antes no trabalho dos cativos que em mantê-los presos, decidissem mandá-los ao calabouço. No entanto, devemos ter em conta que a horrível prisão servia para aterrorizar, desencorajando atos de desobediência ou fugas. Entrava em ação, também, quando um escravo recém-chegado ao mercado parecia rebelde à sua "nova condição". Tanto é verdade que, uma das personagens do universo machadiano, Cotrim, um comerciante (entenda-se: contrabandista) de escravos, que aparece em Memórias Póstumas de Brás Cubas (cunhado da personagem principal), é descrito como alguém que tinha inimigos, em decorrência das maneiras pouco suaves, atribuindo o autor, porém, esses traços à natureza de sua "ocupação":
"Como era muito seco de maneiras tinha inimigos, que chegavam a acusá-lo de bárbaro. O único fato alegado neste particular era o de mandar com frequência escravos ao calabouço, donde eles desciam a escorrer sangue; mas, além de que ele só mandava os perversos e os fujões, ocorre que, tendo longamente contrabandeado em escravos, habituara-se de certo modo ao trato um pouco mais duro que esse gênero de negócio requeria, e não se pode honestamente atribuir à índole original de um homem o que é puro efeito de relações sociais."
Teria Machado escrito essas linhas com uma ponta de cinismo? Não podemos ter certeza em grau absoluto, é claro, mas a ironia da crítica social transparece, a meu ver, até pelo teor sarcástico que, finamente, predomina nas Memórias Póstumas.
(1) KIDDER, Daniel P. Reminiscências de Viagens e Permanência no Brasil. Brasília: Senado Federal, 2001, p. 91.
(2) Ibid., p. 94.
(3) O original pertence ao acervo da BNDigital. A imagem foi editada para facilitar a visualização.
(4) DEBRET, J. B. Voyage Pittoresque et Historique au Brésil vol. 2. Paris: Firmin Didot Frères, 1835. O original pertence à Brasiliana USP; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(2) Ibid., p. 94.
(3) O original pertence ao acervo da BNDigital. A imagem foi editada para facilitar a visualização.
(4) DEBRET, J. B. Voyage Pittoresque et Historique au Brésil vol. 2. Paris: Firmin Didot Frères, 1835. O original pertence à Brasiliana USP; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
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