"De Antônio Conselheiro ignoramos se teve alguma entrevista com o anjo Gabriel, se escreveu algum livro, nem sequer se sabe escrever. Não se lhe conhecem discursos. Diz-se que tem consigo milhares de fanáticos. Também eu o disse aqui, há dois ou três anos, quando eles não passavam de mil ou mil e tantos. Se na última batalha é certo haverem morrido novecentos deles e o resto não se despega de tal apóstolo, é que algum vínculo moral e fortíssimo os prende até a morte. Que vínculo é esse?"
Machado de Assis, Gazeta de Notícias, 31 de janeiro de 1897
O chamado Movimento de Canudos, na última década do Século XIX, foi, certamente, muito mais complexo do que, à época, se acreditou. Os rebeldes eram pintados como um bando de desordeiros, sem nenhuma organização, acostumados à pilhagem do que achavam nas propriedades vizinhas - motivo pelo qual deviam ser rápida e facilmente derrotados.
Os primeiros enfrentamentos, contra forças policiais, depois contra homens do Exército, logo demonstraram o quanto essa visão simplista estava equivocada.
Os "jagunços" (assim eram chamados os seguidores de Antônio Conselheiro) conheciam muito bem o terreno no qual lutavam. Os militares mandados ao sertão da Bahia, por sua vez, estavam obrigados a lutar em terreno que lhes era completamente desconhecido, com fardamento inadequado e, graças à imprevidência do comando, submetidos à mais absurda falta de suprimentos, inclusive para alimentação.
Cada derrota das forças governamentais era duplamente proveitosa aos homens do Conselheiro. Primeiro, caía-lhes nas unhas todo o armamento que os soldados, em fuga, deixavam para trás. Depois, crescia no imaginário da soldadesca a superstição de que Canudos jamais cairia e, portanto, era inútil lutar. Assim desmoralizadas, as tropas estavam mentalmente incapacitadas para a luta. Um autêntico desastre. Quem quiser conhecer o assunto em detalhes, pode ler Os Sertões (de Euclides da Cunha), em sua terceira e última parte.
Enquanto isso, a imprensa, nas maiores cidades do Sudeste, esperava avidamente por notícias sensacionais do teatro de guerra. Não tardou que houvesse gente insensata o bastante para sugerir que monarquistas de peso apoiavam a revolta. Mais ainda, talvez houvesse interesse do governo argentino em favorecer a gente do Conselheiro para desestabilizar o governo do Brasil... Chegou-se a supor que os jagunços eram abastecidos com armamento embarcado em Buenos Aires!...
Que ninguém duvide: os boatos, às vezes, vão longe demais e podem até ocasionar catástrofes.
Por seu turno, o Ministério da Guerra parecia nunca chegar à consciência exata do que deveria fazer. Uma boa noção do que era a falta de entendimento quanto às condições da guerra no sertão é dada pela famosa Quarta Expedição (comandada pelo General Artur Oscar), que intentou conduzir pela caatinga um canhão que pesava nada menos que 1700 kg, transportado, sob sol escaldante, por vinte juntas de bois. Os bois (infelizes!...) foram depois carneados, já que os soldados estavam, ainda esta vez, sem ter o que comer. O maior lucro desse empreendimento foi fazer crescer, entre os sertanejos, a ideia de que era preciso destruir a "matadeira", nome que deram ao canhão.
As táticas europeias de guerra, que o comando insistia em utilizar, mostraram-se uma estupidez diante de opositores que atuavam isoladamente ou em pequenos grupos, valendo-se do conhecimento excelente que tinham do terreno. Não foi de um dia para outro que os estrategistas da Capital vieram a compreender que, em Canudos, não havia dois exércitos formais, lutando frente a frente. Como os acontecimentos demonstraram, o arraial foi derrotado em combate sangrento, nada convencional, que incluiu cortar, aos jagunços, o acesso a qualquer suprimento de água. E cortar a garganta, também, aos que caíam prisioneiros. Sabia-se que os seguidores do Conselheiro, que não temiam morrer lutando por seu líder, tinham, no entanto, verdadeiro horror à ideia de que seriam degolados, em virtude de algumas superstições que, entre eles, eram correntes.
Antônio Conselheiro, o líder místico, morreu em 22 de agosto de 1897. Esse fato, no entanto, não pôs fim à Guerra. A luta somente chegou a termo na tarde do dia 5 de outubro de 1897. Isso é evidência de que a liderança "militar" e a "religiosa" em Canudos estavam sob distintas mãos.
Sem, nem de longe, pretender esgotar o assunto, resta considerar a atração que Antônio Conselheiro exercia sobre as multidões de flagelados pela seca. Havia em suas pregações místicas vestígios de sebastianismo (sim!) e ideias de oposição à República, mas sua ascendência sobre a gente do sertão não teria a mesma intensidade se não fossem as condições da miséria mais torturante a que estavam submetidos os camponeses, em paralelo à geral falta de instrução entre eles. O sertão era, para as autoridades republicanas, uma realidade distante. O movimento de Canudos acordou os governantes, ao menos momentaneamente, para o drama dos retirantes e da seca.
Cada derrota das forças governamentais era duplamente proveitosa aos homens do Conselheiro. Primeiro, caía-lhes nas unhas todo o armamento que os soldados, em fuga, deixavam para trás. Depois, crescia no imaginário da soldadesca a superstição de que Canudos jamais cairia e, portanto, era inútil lutar. Assim desmoralizadas, as tropas estavam mentalmente incapacitadas para a luta. Um autêntico desastre. Quem quiser conhecer o assunto em detalhes, pode ler Os Sertões (de Euclides da Cunha), em sua terceira e última parte.
Enquanto isso, a imprensa, nas maiores cidades do Sudeste, esperava avidamente por notícias sensacionais do teatro de guerra. Não tardou que houvesse gente insensata o bastante para sugerir que monarquistas de peso apoiavam a revolta. Mais ainda, talvez houvesse interesse do governo argentino em favorecer a gente do Conselheiro para desestabilizar o governo do Brasil... Chegou-se a supor que os jagunços eram abastecidos com armamento embarcado em Buenos Aires!...
Que ninguém duvide: os boatos, às vezes, vão longe demais e podem até ocasionar catástrofes.
Por seu turno, o Ministério da Guerra parecia nunca chegar à consciência exata do que deveria fazer. Uma boa noção do que era a falta de entendimento quanto às condições da guerra no sertão é dada pela famosa Quarta Expedição (comandada pelo General Artur Oscar), que intentou conduzir pela caatinga um canhão que pesava nada menos que 1700 kg, transportado, sob sol escaldante, por vinte juntas de bois. Os bois (infelizes!...) foram depois carneados, já que os soldados estavam, ainda esta vez, sem ter o que comer. O maior lucro desse empreendimento foi fazer crescer, entre os sertanejos, a ideia de que era preciso destruir a "matadeira", nome que deram ao canhão.
As táticas europeias de guerra, que o comando insistia em utilizar, mostraram-se uma estupidez diante de opositores que atuavam isoladamente ou em pequenos grupos, valendo-se do conhecimento excelente que tinham do terreno. Não foi de um dia para outro que os estrategistas da Capital vieram a compreender que, em Canudos, não havia dois exércitos formais, lutando frente a frente. Como os acontecimentos demonstraram, o arraial foi derrotado em combate sangrento, nada convencional, que incluiu cortar, aos jagunços, o acesso a qualquer suprimento de água. E cortar a garganta, também, aos que caíam prisioneiros. Sabia-se que os seguidores do Conselheiro, que não temiam morrer lutando por seu líder, tinham, no entanto, verdadeiro horror à ideia de que seriam degolados, em virtude de algumas superstições que, entre eles, eram correntes.
Antônio Conselheiro, o líder místico, morreu em 22 de agosto de 1897. Esse fato, no entanto, não pôs fim à Guerra. A luta somente chegou a termo na tarde do dia 5 de outubro de 1897. Isso é evidência de que a liderança "militar" e a "religiosa" em Canudos estavam sob distintas mãos.
Sem, nem de longe, pretender esgotar o assunto, resta considerar a atração que Antônio Conselheiro exercia sobre as multidões de flagelados pela seca. Havia em suas pregações místicas vestígios de sebastianismo (sim!) e ideias de oposição à República, mas sua ascendência sobre a gente do sertão não teria a mesma intensidade se não fossem as condições da miséria mais torturante a que estavam submetidos os camponeses, em paralelo à geral falta de instrução entre eles. O sertão era, para as autoridades republicanas, uma realidade distante. O movimento de Canudos acordou os governantes, ao menos momentaneamente, para o drama dos retirantes e da seca.
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ResponderExcluirMarta, meu anjo. A Comunidade
de Canudos foi arrasada no dia 5
de outubro, três dias após o meu
aniversário, não que eu tivesse nascido
1897, quando se deu o fato. Mas como
eu ia contando, essa data entrou para a
história e foi marcada como o palco do
mais intenso massacre que já se teve
notícia.
Um beijo e, estou seguindo este blog e
muito me honraria ser seguido por ele.
silvioafonso
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Isso mesmo, o arraial foi completamente arrasado em 5 de outubro de 1897. Na época, não faltou quem comentasse que nenhum dos lados parecia lembrar que era uma luta de brasileiros contra brasileiros.
ExcluirObrigada por seguir História & Outras Histórias. Como poderá verificar, acaba de ser incluído entre os que estou seguindo.