No Século XVI, os meninos indígenas tinham a preferência dos jesuítas na catequese
Os adultos, primeiro, ou os meninos? Esta questão se impôs aos jesuítas que, em meados do Século XVI, começavam a desenvolver a catequese de povos indígenas do Brasil. Depois de breve tempo, chegou-se à conclusão de que os meninos eram "mais aptos" para as pretensões dos missionários, uma vez que os homens feitos dificilmente deixavam os hábitos e costumes nos quais haviam crescido e passado toda a existência.
Isso não quer dizer que jesuítas não se dessem ao trabalho de tentar a doutrinação de adultos. Era apenas uma questão de prioridade, já que as crianças (e, por vezes, também as mulheres indígenas) pareciam mais receptivas que os escolados guerreiros nativos, orgulhosos das práticas recebidas dos ancestrais.
Pelas cartas que jesuítas enviavam à Europa - aos superiores ou aos irmãos de Ordem - sabemos alguma coisa sobre a rotina desses primeiros tempos de catequese. Em uma carta de Anchieta, datada de 1555, destinada aos irmãos da Companhia de Jesus em Portugal, pode-se ler:
"Estes índios, entre quem estamos agora, nos dão seus filhos para que os doutrinemos, e pela manhã, depois da lição, dizem ladainhas na igreja, e à tarde, a Salve; aprendem as orações em português e em sua própria língua (...)." (¹)
Observemos, de passagem, um fato interessante que pode ser depreendido do trecho acima: chegados ao Brasil em 1549, já em 1555 eram alguns dos jesuítas capazes de proporcionar ensino tanto em português quanto na chamada "língua geral", majoritariamente empregada por indígenas das regiões litorâneas.
Também de 1555 é esta informação que aparece em outra carta de Anchieta, que nos oferece uma ideia do currículo adotado, incluindo leitura, escrita e, por suposto, doutrinação religiosa:
"Estamos, como lhes hei escrito, nesta aldeia de Piratininga, onde temos uma grande escola de meninos, filhos de índios, ensinados já a ler e escrever, e aborrecem muito os costumes de seus pais, e alguns sabem ajudar a cantar a missa: estes são nossa alegria e consolação, porque seus pais não são mui domáveis [sic], posto que sejam mui diferentes dos das outras aldeias, porque já não matam nem comem contrários, nem bebem como dantes." (²)
Em 1556 Anchieta ainda escreveria, deixando bem claro que a doutrinação era o primeiro e maior cuidado:
"No que diz respeito à doutrinação dos meninos, suficientemente me explanei nas cartas antecedentes. Duas vezes por dia se reúnem na escola, e todos eles, principalmente de manhã, porque depois do meio-dia, cada um precisa prover à sua subsistência, caçando ou pescando; e se não trabalharem, não comem. O principal cuidado que deles se tem, consiste no ensino dos rudimentos da fé, sem omitir o conhecimento das letras, às quais tanto se afeiçoam, que se nessa ocasião se não deixassem seduzir, talvez outra se não pudesse encontrar. Em matéria de fé, respondem por certas fórmulas que se lhes ensinam; alguns, mesmo sem elas." (³)
É significativa a observação de que, à tarde, não havia aulas, uma vez que competia aos meninos a obrigação de caçar e pescar para o próprio sustento; parece também que o velho (mas muitas vezes eficiente) método grego de ensinar mediante perguntas e respostas era empregado em terras brasílicas por missionários jesuítas que se viam, de certa forma, como repetidores na América da missão desenvolvida pelos apóstolos. Não demoraria, porém, para que os padres, tão esperançosos quanto a seus catecúmenos, tivessem uma amarga decepção. Na próxima postagem trataremos disso.
(1) ANCHIETA, Pe. Joseph de S.J. Cartas, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1933, p. 72.
(2) Ibid., p. 85.
(3) Ibid., p. 89.
"Estes índios, entre quem estamos agora, nos dão seus filhos para que os doutrinemos, e pela manhã, depois da lição, dizem ladainhas na igreja, e à tarde, a Salve; aprendem as orações em português e em sua própria língua (...)." (¹)
Observemos, de passagem, um fato interessante que pode ser depreendido do trecho acima: chegados ao Brasil em 1549, já em 1555 eram alguns dos jesuítas capazes de proporcionar ensino tanto em português quanto na chamada "língua geral", majoritariamente empregada por indígenas das regiões litorâneas.
Também de 1555 é esta informação que aparece em outra carta de Anchieta, que nos oferece uma ideia do currículo adotado, incluindo leitura, escrita e, por suposto, doutrinação religiosa:
"Estamos, como lhes hei escrito, nesta aldeia de Piratininga, onde temos uma grande escola de meninos, filhos de índios, ensinados já a ler e escrever, e aborrecem muito os costumes de seus pais, e alguns sabem ajudar a cantar a missa: estes são nossa alegria e consolação, porque seus pais não são mui domáveis [sic], posto que sejam mui diferentes dos das outras aldeias, porque já não matam nem comem contrários, nem bebem como dantes." (²)
Em 1556 Anchieta ainda escreveria, deixando bem claro que a doutrinação era o primeiro e maior cuidado:
"No que diz respeito à doutrinação dos meninos, suficientemente me explanei nas cartas antecedentes. Duas vezes por dia se reúnem na escola, e todos eles, principalmente de manhã, porque depois do meio-dia, cada um precisa prover à sua subsistência, caçando ou pescando; e se não trabalharem, não comem. O principal cuidado que deles se tem, consiste no ensino dos rudimentos da fé, sem omitir o conhecimento das letras, às quais tanto se afeiçoam, que se nessa ocasião se não deixassem seduzir, talvez outra se não pudesse encontrar. Em matéria de fé, respondem por certas fórmulas que se lhes ensinam; alguns, mesmo sem elas." (³)
É significativa a observação de que, à tarde, não havia aulas, uma vez que competia aos meninos a obrigação de caçar e pescar para o próprio sustento; parece também que o velho (mas muitas vezes eficiente) método grego de ensinar mediante perguntas e respostas era empregado em terras brasílicas por missionários jesuítas que se viam, de certa forma, como repetidores na América da missão desenvolvida pelos apóstolos. Não demoraria, porém, para que os padres, tão esperançosos quanto a seus catecúmenos, tivessem uma amarga decepção. Na próxima postagem trataremos disso.
(1) ANCHIETA, Pe. Joseph de S.J. Cartas, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1933, p. 72.
(2) Ibid., p. 85.
(3) Ibid., p. 89.
Veja também:
Que interessante! Nesse ano de cursinho sempre tive em mente que a doutrinação dada pelos jesuítas era imposta principalmente aos adultos, nunca em alguma apostila ou livro de vestibular soube que os jesuítas preferiam os mais jovens como meio de propagar a sua doutrina. Seu blog é valioso para vestibulandos rs.
ResponderExcluirAchavam que as crianças eram catecúmenos mais obedientes. Além disso, uma outra tática era logo construir uma capela em cada aldeia, para "marcar território".
ExcluirMas nem sempre dava certo - disso é que tratará a próxima postagem.