quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Tintas antigas para escrever

Uma senhora bastante idosa contou-me, já faz vários anos, que, em sua infância e adolescência, lá nas primeiras décadas do Século XX, era comum, na pequena localidade em que residia, que se utilizasse um preparado feito com amoras, quando se desejava ter um pouco de tinta vermelha para escrever. 
Ora, por que é que alguém quereria exatamente tinta vermelha? Talvez porque tinta preta fosse facilmente encontrada à venda, mas vermelha, não. Porque minha informante talvez gostasse das artes da caligrafia. Porque com ela seria possível deixar as tarefas escolares mais bonitinhas. Porque... Porque tinta vermelha talvez fosse útil para adornar uma cartinha que, discretamente, se fazia chegar a algum rapaz simpático das redondezas...
Compreendam, meus leitores: eram tempos sisudos, nos quais se tinha por falta gravíssima que uma moça expressasse mesmo o mais ínfimo afeto por um rapaz, sem o conhecimento e consentimento dos pais (principalmente do pai). Não era sem causa, pois, que, nas ruas e quintais, a meninada, brincando de roda, cantasse:

"Papagaio louro, 
Do bico dourado, 
Leva esta carta,
Pro meu namorado..." (¹)

Mas como é que se fazia tinta, não para umas poucas linhas, porém em quantidades maiores, ainda que artesanalmente, com fins comerciais? Nem todos os lugares tinham lojas especializadas, e alguns não tinham loja nenhuma. Esta receita, de uma publicação americana datada de 1867, pode dar uma ideia:
"Pegue 1 libra de campeche (²) e um galão de água (³); deixe ferver por uma hora em um recipiente de ferro; dissolva 24 grãos de bicromato de potássio e 12 grãos de prussiato de potássio em um pouco de água quente, e misture ao líquido ainda no fogo; retire do fogo e passe por um tecido fino. Nenhuma outra tinta resistirá ao teste de ácido oxálico, e é tão indelével que o ácido oxálico não conseguirá removê-la do papel." (⁴)
Com as modificações prováveis devido ao material disponível, o processo, em outros lugares, não devia ser muito diferente. Pau-brasil, por exemplo, era empregado em lugar de campeche, quando se queria obter tinta vermelha, e não preta.

(1) Como cantiga de roda folclórica que é, essa música tem uma variedade de letras. A que aparece aqui foi cantarolada pela senhora idosa a que me referi.
(2) Madeira originária da América Central e muito usada em tinturaria.
(3) Cerca de 3,8 litros.
(4) MARQUART, John. Six Hundred Receipts. Philadelphia: John E. Potter and Company, 1867, p. 74. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.


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