Referindo-se à Capitania de São Vicente, Pero de Magalhães Gândavo escreveu, já na segunda metade do século XVI:
"Nesta capitania se deu já trigo, mas não o querem semear por haver na terra outros mantimentos de menos custo." (*)
Não se pode saber com exatidão a que área da Capitania de São Vicente Gândavo referiu-se. Se foi à região costeira, das povoações de Santos e São Vicente, ele estava certo. Mas se tratou da Capitania como um todo, estava errado, isso porque, até meados do século XVII, a triticultura teve muita importância nas fazendas estabelecidas ao redor da vila da São Paulo. Isto sabemos pelos registros feitos na Nobiliarchia Paulistana por Pedro Taques de Almeida Paes Leme, que reputava grande sinal de riqueza entre os antigos paulistas, além de dispor de numerosa escravatura de origem indígena, o empregar toda essa mão de obra no cultivo de terras que produziam, antes de mais nada, trigo, e também milho, feijão ou algodão. A seguir, veremos alguns exemplos bastante elucidativos.
Tratando de Salvador Pires, português da cidade do Porto, estabelecido em São Vicente no século XVI, e da sesmaria que recebeu e por que causa, observou que "...passara da vila de São Vicente para a de Santo André da Borda do Campo no ano de 1553, e lhe foi dada meia légua de terras na Tapera que tinha sido alojamento do índio Baibebá, partindo pelo campo de Piratininga direito à serra, por ser dito Pires lavrador potentado, que dava avultada soma de alqueires de trigo ao dízimo, além das colheitas de outros frutos todos os anos." Muito interessante, não?
Continuemos.
"Em São Paulo fez Antônio de Proença o seu estabelecimento em uma fazenda de terras de cultura e campos criadores, na ribeira de Ituporanga, onde teve abundantes criações de gados [...] e grandes searas de trigo, de cujos rendimentos fornecia o tratamento de sua casa. Assim se vê do testamento com que faleceu em São Paulo, feito do próprio punho a 9 de janeiro de 1605."
Há mais. Referindo-se a Amador Bueno, na primeira metade do século XVII, anotou: "Teve grande tratamento e opulência por dominar debaixo de sua administração muitos centos de índios, que de gentio bárbaro do sertão se tinham convertido à nossa santa fé, pela indústria, valor e força das armas, com que os conquistou Amador Bueno em seus reinos e alojamentos. Com o trabalho destes homens, ocupados em dilatadas culturas, tinha todos os anos abundantes colheitas de trigo, milho, feijão e algodão." Sim, esse Amador Bueno é o da "Aclamação". Também ele era um triticultor importante.
Poderíamos seguir enumerando outros grandes fazendeiros da época, porque Pedro Taques lista muitos deles, mas os já citados são suficientes para demonstrar que, no século XVII, o cultivo de trigo era, de fato, relevante em São Paulo. Menciona-se, abaixo, apenas mais um caso, que põe em destaque o entusiasmo de Pedro Taques com a produção das terras de Manoel Dias da Silva, português de Aveiro, que faleceu em São Paulo em 6 de março de 1677, sobre quem assinala:
"Teve em São Paulo grossa fazenda de culturas com excessivas colheitas de trigo e grande criação de ovelhas e gados vacuns."
Observemos que expressões como "avultada soma de alqueires de trigo ao dízimo", "grandes searas de trigo", "todos os anos abundantes colheitas de trigo" ou ainda "excessivas colheitas de trigo" não deixam dúvidas: a triticultura era mesmo muito importante em São Paulo no século XVII.
(*) GÂNDAVO, Pero de Magalhães. Tratado da Terra do Brasil. Brasília: Ed. Senado Federal, 2008, p. 49.
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