O curioso método usado para debulhar o trigo no sul do Brasil nas primeiras décadas do Século XIX recebeu de Auguste de Saint-Hilaire, naturalista francês uma descrição minuciosa:
"Para bater o trigo fazem-se dois currais, tendo um deles uma forma qualquer e o outro a forma circular, em comunicação com o primeiro. Arranca-se a erva deste último curral, varrendo-o com cuidado, e aí se espalham as espigas. Reúnem-se jumentos selvagens no primeiro curral. Daí fazem passá-los a outro curral circular e os fecham ali. Homens a cavalo acossam os jumentos com fortes chicotadas, e os forçam a correr à volta várias vezes, debulhando as espigas com as patas." (¹)
Que lhe parece, leitor? Está a analisar a coisa pelo seu aspecto "ecológico" ou pela vertente dos maus-tratos para com os animais? Saint-Hilaire também não aprovou essa prática de bater o grão, mas por outras razões: "Este processo de bater o trigo é extremamente precário. Não somente as espigas deixam de esvaziar-se completamente, como, não havendo cuidado de explorar o curral, ainda muitos grãos se ocultam sob a terra e ficam perdidos." (²)
E, para assegurar que sua descrição correspondia à realidade dos fatos, anotou:
"Eu próprio vi os currais; e os outros pormenores que mencionei devo-os ao meu hospedeiro, Sr. José Feliciano Bezerra, cultivador de trigo." (³)
Voltou depois ao assunto, para acrescentar:
"Comecei a descrever o modo de bater o trigo; vou terminar o que tenho a dizer a respeito. Quando o grão sai das espigas, separa-se dele a palha com forquilhas de três dentes, muito próximos um do outro, acabando-se de limpá-lo pelo processo de arremessá-lo ao ar contra o vento com pás." (⁴)
Estando limpo o trigo, devia ser embalado e comercializado. Era então o trigo acondicionado em sacos de couro e despachado para o porto do Rio de Janeiro, de onde seguia para outras regiões do Brasil. Quem vendia o trigo devia, porém, ser cuidadoso, pois as consequências de uma eventual fraude no comércio não eram exatamente leves:
"O trigo é vendido em sacos de couro cru, com seis a doze alqueires (⁵). O número de alqueires é indicado por sinais na borda do surrão; o negociante adquire o surrão após a declaração do lavrador; mas esse se obriga a colocar sua chancela no surrão e se responsabiliza pela quantidade declarada. Se há reclamações por parte do consumidor, é, então, condenado a pagar seis mil-réis de multa por surrão e um mês de cadeia." (⁶)
(1) SAINT-HILAIRE, A. Viagem ao Rio Grande do Sul. Brasília: Senado Federal, 2002, p. 158.
(2) Ibid.
(3) Ibid.
(4) Ibid., p. 161.
(5) Alqueire era uma antiga medida portuguesa de capacidade, equivalente a 13,8 litros. Entretanto, no Brasil, há medidas usadas para grãos (trigo, milho, etc.), também conhecidas por alqueire, que variam de uma região para outra. Assim, como exemplo, o chamado alqueire paulista equivale a 40 litros; já em Minas Gerais, o alqueire mineiro corresponde ao dobro do de São Paulo.
(6) SAINT-HILAIRE, A. Op. cit. Brasília: Senado Federal, 2002, p. 569.
Veja também:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Democraticamente, comentários e debates construtivos serão bem-recebidos. Participe!
Devido à natureza dos assuntos tratados neste blog, todos os comentários passarão, necessariamente, por moderação, antes que sejam publicados. Comentários de caráter preconceituoso, racista, sexista, etc. não serão aceitos. Entretanto, a discussão inteligente de ideias será sempre estimulada.