Após derrotar os germanos dalém do Reno (que eram comandados por Armínio), os romanos ergueram uma coluna com as armas capturadas, na qual, segundo Tácito (Annales, livro II), lia-se: "DEBELLATIS INTER RHENVM ALBIMQVE NATIONIBVS EXERCITVM TIBERII CAESARIS EA MONIMENTA MARTI ET IOVI ET AVGVSTO SACRAVISSE" ("Tendo dominado os povos entre o Reno e o Elba, o exército de Tibério César consagra este monumento a Marte, Júpiter e Augusto"). (¹)
Vê-se, aqui, em ação, o chamado "culto ao Imperador", neste caso um já falecido, ou seja, Augusto, e que, portanto, passava ser venerado como um deus, segundo as tradições romanas de culto aos antepassados. Nos dias de Nero, todavia, de acordo com o mesmo Tácito, um adulador tentou fazer aprovar no Senado a construção de um templo para o imperador ainda vivo, ao que o autor dos Annales juntou a observação de que "não se honra um príncipe como um deus enquanto ainda vive entre os homens" (²), ainda que não desconsiderasse a possibilidade de que a tal homenagem fosse um agouro da morte do "Divo Nero" (³).
À medida que o tempo passava, as honras civis e militares prestadas aos imperadores adquiriam, mais e mais, um cunho religioso, e a não adesão de cristãos a essas cerimônias estava entre as causas mais recorrentes para que fossem perseguidos no segundo e terceiro séculos. De acordo com Tertuliano (⁴), o estopim da perseguição nos dias de Sétimo Severo foi a ausência dos cristãos nas festividades decretadas para comemorar o aniversário do imperador. Ora, um raciocínio simples e lógico é que os adeptos da fé cristã não participavam dessas cerimônias porque viam nelas elementos de caráter cultual, e não simples festejos pelo aniversário do governante de Roma. Além disso, o próprio Tertuliano admitia que a recusa dos cristãos em participar das festas foi interpretada como apoio a rebeliões civis ocorridas pouco antes.
Usualmente, esperava-se que cidadãos romanos oferecessem sacrifícios aos deuses em favor do imperador, para que vivesse muito e fizesse Roma sempre maior e mais próspera; dos soldados, exigia-se um juramento de lealdade ao imperador, no qual eram invocadas as divindades tradicionais de Roma como testemunhas e executoras de castigo aos perjuros. A essas práticas os cristãos, que eram monoteístas, não aderiam, segundo explicou Tertuliano:
"Dizem que nós, os cristãos, somos sacrílegos e réus de lesa-majestade, porque não prestamos culto aos deuses, e nem oferecemos sacrifícios em favor do imperador. [...] Não adoramos aos deuses porque estamos convencidos de que os que assim são chamados, não são deuses." (⁵).
Vê-se, afinal, que as honras religiosas prestadas à figura do imperador tinham, em Roma, um aspecto cívico-patriótico, que poderia, mutatis mutandis, ser comparado ao hasteamento da bandeira ou ao cantar do hino nacional em nossos dias, com a diferença de que, ao menos no Ocidente, essas práticas não têm significado religioso (espera-se!). Mas em Roma, não importando se as pessoas ainda acreditavam na existência dos deuses, deixar de honrar divindades e imperadores era incorrer em suspeita de traição à pátria, e quem agia dessa maneira assumia o risco de terríveis consequências.
(1) Os trechos das obras de Tácito e Tertuliano citados nesta postagem são tradução de Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(2) Annales, Livro XV.
(3) Honra idêntica foi proposta a Tibério, que a recusou; em Pérgamo, na Ásia Menor, um templo foi edificado em honra de Augusto e da cidade de Roma, quando o imperador ainda vivia.
(4) Apologia.
(5) Ibid.
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