quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Conquistas dos bandeirantes paulistas

Bandeirantes paulistas eram corajosos, ousados, chegavam às bordas da temeridade. Em sua obsessão exploratória, suportavam cansaço, fome, falta de vestuário adequado. Como resultado de suas aventuras, encontraram jazidas minerais valiosas, embora quase ninguém deles chegasse, de fato, a enriquecer com isso. Seu avanço, sertão adentro, reduziu a pó a já fragílima linha de Tordesilhas, e deu ao Brasil uma configuração territorial próxima da que tem hoje. 
Essa gente atrevida, porém, estava longe de formar um panteão de anjos. Se é verdade que entre eles houve notáveis descobridores de ouro, também é sabido que, ainda antes de perscrutar o interior em busca de riquezas minerais, andaram por lá aprisionando indígenas para escravização. Eram peritos nessa "arte", a do "descimento do gentio", como então se dizia, em relação à captura de nativos que vinham suar nas roças dos próprios paulistas, ou, às vezes, eram encaminhados para venda em outros locais, como o Rio de Janeiro, por exemplo.
Abordando a relevância das investidas bandeirantes, Frei Gaspar da Madre de Deus, autor setecentista, escreveu, em suas Memórias Para a História da Capitania de São Vicente:
"Pelo sertão atravessou a animosidade dos paulistas com indizíveis trabalhos os fundos de todas as capitanias brasileiras, em cujos domínios, depois de afugentarem inumeráveis gentios, descobriram as Minas Gerais, as de Goiás, as do Cuiabá e as de Mato Grosso; e como tudo quanto descobriram os valorosos naturais das vilas sujeitas à de São Vicente (¹) se reputava parte desta Capitania, chegou ela a apossar-se de quase todos os fundos dos outros donatários. Eis aqui a razão por que a Capitania de São Vicente noutro tempo possuiu tudo quanto agora abrangem os governos gerais de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, São Paulo e Rio de Janeiro, e também os subalternos de Santa Catarina e Rio Grande de S. Pedro." (²)
Esse documento é importante porque permite avaliar como alguém do Século XVIII, um clérigo, interpretava a ação dos sertanistas. Nascido no Brasil, na Capitania de São Vicente, frei Gaspar da Madre de Deus não via qualquer problema em relação à conduta dos bandeirantes para com a população indígena - aliás, poucos admitiam, na época, que podia haver algo errado em "afugentar" nativos, assumindo que indígenas eram um obstáculo ao projeto de colonização. Pretexto para tanto, não faltava: sempre havia o argumento de que era para maior glória da Coroa portuguesa. Mais que isso, na eventualidade de que fossem capturados e escravizados, indígenas seriam, segundo se afirmava, "conduzidos ao grêmio da Igreja". Parecia, afinal, uma causa justa, meritória, até. A passagem do tempo revelou o outro lado da questão. 

(1) Frei Gaspar da Madre de Deus nasceu em São Vicente no ano de 1715.
(2) MADRE DE DEUS, Frei Gaspar da. Memórias Para a História da Capitania de São Vicente, Hoje Chamada de São Paulo, do Estado do Brasil. Lisboa: Typografia da Academia, 1797, p. 3.


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