quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Roupas que os alfaiates de São Paulo costuravam em 1587

Corria o Século XVI. São Paulo, apenas uma vila, em nada fazia supor a metrópole do Século XXI. Quem percorresse as poucas ruas cercadas por um muro de taipa logo perceberia que a população, que nem era muito numerosa, usava roupas simples, confeccionadas quase sempre com tecidos rústicos, mesmo para os padrões coloniais. Ao contrário do que sucedia com moradores das prósperas áreas açucareiras do Nordeste, paulistas desse tempo eram famosos pelo vestuário grosseiro e antiquado.
Como ainda não havia máquinas de costura, todo o trabalho precisava ser feito à mão, com agulha e linha. Devido à distância do Reino, tecidos de boa qualidade, fabricados na Europa, eram raros, e, por essa razão, quase sempre caríssimos. Os alfaiates, como outros artesãos, procuravam obter a melhor remuneração possível, mas suas pretensões eram limitadas pela mania que a Câmara de São Paulo tinha de impor tabelas de preços. No entanto, é graças a isso que podemos ter uma ideia do que vestiam os paulistas, mesmo que, pelo péssimo trabalho do escrivão da Câmara, destrinchar a ata correspondente seja tarefa penosa. O trecho que nos interessa, de 24 de agosto de 1587, vai transcrito aqui, simplificado (tanto quanto possível), na ortografia atual e com acréscimo da pontuação necessária à compreensão: 

"De uma roupeta de algodão aberta por diante com seus botões [...], cem réis;
De uns calções [...] de algodão, cento e sessenta réis;
De um gibão com seus botões, cem réis, e se for forrado, seis vinténs;
De um saio de pano de algodão [...], oitenta réis, e sendo debruado, [...], cem réis;
De uns calções chãos, quarenta réis;
De uma roupeta de pano do Reino com seus botões, cento e cinquenta réis;
De uns calções de pano do Reino [...], cem réis, e se forem guarnecidos, cento e quarenta réis;
De uma vasquinha de pano do Reino, cem réis, e guarnecida, cento e cinquenta réis;
De um gibão de seda pespontado, com suas bainhas pespontadas e com seus botões [...], cento e cinquenta réis;
De um corpinho de mulher, setenta réis;
De um saio de um manto, cem réis,
De uma roupinha ou saia de moça de dez ou doze anos, quarenta réis;
De feitio de uma carapuça [...], quarenta réis [...], e guarnecida, três vinténs;
De feitio de um pelote [...] com seus botões, cento e cinquenta réis;
De feitio de um capote, cento e cinquenta réis;
De um roupão [...] com pano embaixo, cento e cinquenta réis;
De feitio de uma capa de baeta, cem réis, e de pano tosado, cento e cinquenta réis."

Se vocês, leitores, conseguiram chegar até aqui, considerem que, em fins do Século XVI, quase não havia dinheiro amoedado circulando em São Paulo, e, por isso, é bastante provável que alfaiates, como os demais artesãos, fossem pagos em espécie, servindo o tabelamento apenas como parâmetro nas relações de troca. Levem em conta, também, que nem todo mundo encomendava as roupas que queria a algum alfaiate: parte da população devia ter as roupas feitas em casa mesmo, pelas mãos de alguém da família ou de escravos. Finalmente, mais uma constatação, permitida pela tabela de preços, é que a variedade de peças passíveis de encomenda não era muito grande, outro indício da simplicidade da vida colonial.


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