quinta-feira, 8 de agosto de 2019

O que deveria haver na bagagem de quem vinha ao Brasil no Século XVII

Preparativos de viagem podem ser um pouco desgastantes. Se a viagem for breve e para lugar conhecido, não haverá grandes problemas, mas quem vai fazer uma viagem longa e/ou para local que nunca visitou, deve ter cuidado para não omitir na bagagem algum item indispensável. Imagine-se, agora, o que acontecia quando alguém decidia vir ao Brasil lá pela segunda década do Século XVII. Conselhos de quem que já vivera essa experiência podiam, de fato, ser muito úteis. 
Procurando facilitar a viagem de franceses que queriam vir ao Brasil, o capuchinho Yves d'Évreux (¹), que esteve na França Equinocial, colônia francesa fundada no Maranhão, fez uma pequena lista de coisas que, no seu entender, seria prudente incluir na bagagem:

Aguardente, ao que parece para uso como medicamento (²):
"As suas provisões devem consistir de aguardente forte, do melhor vinho de Canária, em bons frascos de estanho, [...] arrolhados e acondicionados numa frasqueira fechada a chave, [...] para servir nas necessidades e nas moléstias que podem aparecer." (³)

Vinho para uso na viagem, além de outros suprimentos para complementar o que se oferecia no navio:
"Para a passagem do mar deve surtir-se de algum vinho tinto, e de coisas iguais para quando precisar, visto o trivial do navio ser muito mal preparado." (⁴)

Objetos de uso pessoal:
"Deve fornecer-se de um bom número de camisas, lenços e vestidos de fustão, e não de estofos pesados, exceto os vestuários para festas, porque neste país não se precisa senão de panos leves. Leve sabão para o asseio da casa, muitos sapatos porque lá não achará um só, senão os que para aí forem levados e por alto preço, de forma que pelo preço de um par tereis em França uma dúzia, toalhas, guardanapos, lençóis e um bom colchão, e se quiserdes viver à francesa, isto é, com limpeza, deveis levar baixela de estanho para quando estiverdes doentes." (⁵)

Artigos alimentícios, alguns deles não encontrados no Brasil:
"Devereis levar açúcar, boas especiarias, uma porção de ruibarbo muito fino, tudo bem acondicionado numa caixa para livrar o açúcar das formigas do país, porque é impossível imaginar-se o que fazem estes animaizinhos, que se metem por toda a parte, e tudo trespassam [...]." (⁶)
Interessante, aqui, é verificar que coisas eram consideradas, pelos franceses do Século XVII, indispensáveis a uma existência digna, mesmo para quem tinha coragem suficiente para se aventurar na América do Sul. D'Évreux lembrou, ainda, que, para trocar com indígenas por produtos da terra, seria útil trazer alguns artigos usuais de escambo, como roupas vistosas, ferramentas e outros pequenos objetos. 
A França Equinocial teve, porém, vida muito curta, de modo que os conselhos de Yves d'Évreux tiveram pouca utilidade para seus compatriotas. Mais valiosos são hoje, quando se quer saber alguma coisa sobre os hábitos, modo de vida e mentalidade de sua época, já distante e, nas aparências, tão diferente da nossa. 

(1) Nascido na França em 1577, esteve no Brasil entre 1613 e 1614.
(2) D'Évreux não explicou para qual doença.
(3) D'ÉVREUX, Yves. Viagem ao Norte do Brasil Feita nos Anos de 1613 a 1614. Maranhão: Typ. do Frias, 1874, p. 190.
(4) Ibid.
(5) Ibid.
(6) Ibid., pp. 190 e 191.


2 comentários:

  1. Felizmente as viagens tornaram-se mais breves e a bagagem mais leve. Imagina ter que carregar um colchão para o outro lado do mundo!!
    Abraço
    Ruthia

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    Respostas
    1. Haha, hoje não precisamos disso, porque em quase todos os lugares há bons hotéis à disposição dos que viajam. Quem vinha ao Brasil no Século XVII encontrava um belo litoral, sol brilhante, florestas incríveis e nenhuma hospedagem à disposição.

      Tenha um ótimo final de semana!

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