Aventureiros sempre existiram, mas há que se reconhecer o fato de que era difícil arranjar bons colonizadores que viessem ao Brasil. Não estamos falando das hordas de condenados a degredo que, malgrado os protestos de administradores e missionários jesuítas, eram periodicamente despejados nas povoações litorâneas que começavam a nascer, já que esse tipo de gente não vinha porque queria, ainda que não poucos, depois de cumprida a pena, decidissem que era melhor ficar. A dificuldade estava em trazer trabalhadores qualificados, artesãos de vários ofícios ou que soubessem cultivar a terra. O medo do desconhecido e os boatos fantasmagóricos espalhados na Europa eram determinantes para intimidar eventuais interessados em tentar a vida no Continente há pouco "descoberto".
Propaganda de massa, no sentido que hoje conhecemos, não existia, mas alguns autores escreveram obras cujo propósito era convencer portugueses quanto à excelência da vida no Brasil. Pero de Magalhães Gândavo, por exemplo, afirmou, logo no início de seu Tratado da Terra do Brasil (¹):
"[...] Achei que não se podia de um fraco homem esperar maior serviço (ainda que tal não pareça) que lançar mão desta informação da terra do Brasil (coisa que até agora não empreendeu pessoa alguma) (²) para que nestes reinos se divulgue sua fertilidade e provoque as muitas pessoas pobres que se vão viver a esta província, que nisso consiste a felicidade e aumento dela." (³)
Ora, leitores, o livro de Gândavo só foi publicado muito tempo depois de sua morte. Ainda assim, dificilmente seria útil para convencer alguém a vir ao Brasil, porque o autor não economizou palavras em descrever ataques indígenas e cenas de antropofagia, sem falar nos animais, grandes e pequenos, mas quase sempre perigosos, que viviam à espreita dos incautos...
Quem resolvia correr o risco precisava de conselhos - é o que devia pensar o autor do Compêndio Narrativo do Peregrino da América, um livro que fez muito sucesso no Século XVIII, recomendando a necessidade de adaptação ao modo de vida no Brasil: "É mais razão acomodar-se ao uso da terra, que pretender e querer trazer aos mais o costume de sua pátria." (⁴) Não parece sensato?
No começo do Século XVII franceses tentaram estabelecer uma colônia no Maranhão e, para a catequese dos indígenas, trouxeram alguns religiosos capuchinhos. Um deles, o padre Yves d'Évreux, escreveu um livrinho precioso, com uma chuva de informações (nem todas confiáveis, é verdade), que não aparecem nas obras de autores portugueses. Também ele procurou mostrar aos jovens de seu país que era interessante vir ao Brasil, principalmente para aqueles que, de nobres, não tinham muito mais que o título. Insistia que, com produtos da terra, não faltava alimento. Doenças? Sim, havia, como em qualquer outro lugar:
"Se algumas pessoas se dão mal, não é novidade, pois em toda parte está a morte: assim são as moléstias.
Destes males não estão isentos reis e príncipes em países os mais agradáveis e salubres que se possa imaginar." (⁵)
Apesar disso, o bom padre d'Évreux reconhecia que havia um tipo de gente que jamais deveria pôr os pés no Brasil:
"Enganar-se-ia, porém, quem pensasse que as árvores produzissem patinhos assados, as corças, quartos de carneiro recentemente tirados do espeto, e o ar andorinhas bem cozidas, de forma que não havia mais trabalho do que abrir a boca e comer. Com tal fantasia não lhe aconselho que lá vá, porque arrepender-se-ia [sic]." (⁶)
Vejam, leitores, que d'Évreux tinha senso de humor. Cumpre apenas assinalar que, para os franceses, essa questão de vir ou não ao Brasil teve vida curta. Os portugueses logo retomaram o controle do Maranhão e o sonho de uma colônia francesa no Brasil se desmanchou.
(1) Escrito por volta de 1570.
(2) Não é verdade que ninguém ainda havia escrito sobre o Brasil. Anchieta, entre outros, já o fizera, ainda que seu objetivo não fosse o mesmo de Gândavo.
(3) GÂNDAVO, Pero de Magalhães. Tratado da Terra do Brasil: História da Província de Santa Cruz a que Vulgarmente Chamamos Brasil. Brasília: Ed. Senado Federal, 2008, pp. 27 e 28.
(4) PEREIRA, Nuno Marques. Compêndio Narrativo do Peregrino da América. Lisboa: Oficina de Manoel Fernandes da Costa, 1731, p. 6.
(5) D'ÉVREUX, Yves. Viagem ao Norte do Brasil Feita nos Anos de 1613 a 1614. Maranhão: Typ. do Frias, 1874, p. 185.
(6) Ibid., p. 185.
Veja também:
Eu sei quem nunca deveria pôr os pés no Brasil, mas se o dissesse corria o risco de ser apedrejado. :)
ResponderExcluirUm bom final de sábado, Marta :)
Não me faça rir rsrsrsssssssssssssssssssss...
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