quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Eclipses

Historinha que vovó contava: Ia haver um eclipse solar, mas ela, menina pequena, não sabia disso. Brincava alegremente com o irmãozinho quando, por um motivo qualquer, começou um desentendimento, desses que ocorrem entre crianças a toda hora. A mãe (minha bisa) resolve, então, dar uma lição nos dois, e anuncia: Olhem só, o sol está se apagando, o mundo vai acabar; como é que vocês vão dar conta dessa briga no juízo final?!!
Eclipse lunar
Não é nenhuma surpresa, meus leitores, que povos antigos, desconhecendo explicações cientificamente válidas para os eclipses do Sol e da Lua, observassem esses fenômenos com pavor. Afinal, o que seria da vida na Terra se o Sol desaparecesse para sempre? Alguns, tendo por fundamento certos aspectos mitológicos, propunham explicações satisfatórias para a mentalidade da época e ajudavam a manejar o medo do desconhecido.
No Livro I de suas Histórias, Heródoto (¹) conta que, certa vez, durante uma batalha entre lídios e medos, ocorreu um eclipse solar, que fez o dia tão escuro quanto a noite. Assombrados, os dois exércitos teriam abandonado as armas para estabelecer um tratado de paz. O mais interessante é que Heródoto também assevera que o mesmo eclipse pacifista teria sido predito por Tales de Mileto (²), uma prova de que esse notável matemático dos tempos antigos foi capaz de fazer mais do que descobrir modos de atormentar jovens estudantes de geometria da atualidade.
Ainda de acordo com Heródoto (Livro VII das Histórias), um eclipse solar teria ocorrido durante as Guerras Médicas (entre gregos e persas). A súbita ocultação do sol deixou Xerxes, o soberano persa, bastante perplexo, a ponto de chamar seus magos para uma consulta - lembrem-se, leitores, de que, nesse tempo, não havia ainda uma distinção muito clara entre ciência e crenças mitológicas. Os tais magos, em defesa de seus próprios interesses, não tardaram em dar a seu temperamental monarca a informação de que os acontecimentos relativos aos gregos eram "profetizados" pelo Sol, sendo a Lua a responsável pelo que sucedia aos persas. Portanto, a ocultação do Sol significava que os gregos seriam eclipsados, isto é, derrotados. Como se sabe, o suposto vaticínio estava completamente errado, mas o registro de Heródoto, se correto, nos faz ver que, ao contrário de outros povos contemporâneos, os persas não eram ainda capazes de prever eclipses.
Entre os romanos, Tácito (³), ao tratar de uma rebelião de soldados (⁴), mencionou a ocorrência de um eclipse lunar, interpretado pelos revoltosos como um presságio favorável. Logo, porém, a Lua foi ocultada por nuvens, fato entendido como presságio desfavorável. Melhor para os comandantes, que se valeram do pavor entre a soldadesca para retomar o controle da situação.
Agora, leitores, saindo da Antiguidade para o Século XVII, termino com uma visão algo poética dos eclipses, que, segundo o jesuíta Antonio Ruiz de Montoya, era disseminada entre indígenas da América do Sul:
"Tinham como correta a doutrina de que há no céu um tigre (⁵) ou cão enorme, que em momentos de raiva comia a lua e o sol, a que nós chamamos eclipses, e quando isso acontecia mostravam tristeza e admiração." (⁶)
Montoya apenas não explicou como é que, depois de devorados, Sol e Lua voltavam a aparecer no céu...

(1) Século V a.C.
(2) Considera-se que Tales de Mileto provavelmente viveu entre os Séculos VII e VI a.C.
(3) c. 47 d.C. - 120 d.C.
(4) Annales, Livro I.
(5) Colonizadores tinham por costume fazer referência às onças-pintadas como "tigres".
(6) MONTOYA, Antonio Ruiz de S.J. Conquista Espiritual Hecha por los Religiosos de la Compañia de Jesus. Madrid: Imprenta del Reyno, 1639. A citação foi traduzida por Marta Iansen para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.


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4 comentários:

  1. Tales de Mileto, como muitos outros antigos, provam a sua genialidade precisamente se forem capazes de atormentar os jovens estudantes :)
    Gosto da versão indígena e, por falar nisso, como terminou a história com a sua bisavó?
    Beijinho
    Ruthia d'O Berço do Mundo

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    1. Como sempre gostei de Matemática e Física, não tenho tanto desamor por Tales de Mileto, mas compreendo a aversão alheia rsrsrsssss...
      Quanto ao "eclipse da minha avó", a coisa foi assim: ela acreditou piamente no que a mãe (minha bisavó) havia dito, a ponto de achar que estava doente. Foi para a cama, disse que tinha febre e que precisava de um chá. Lá ficou até que o eclipse passou e o sol voltou a brilhar. A impressão deve ter sido muito forte porque, mesmo velhinha, ainda tinha lembrança do incidente.

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  2. "Montoya apenas não explicou como é que, depois de devorados, Sol e Lua voltavam a aparecer no céu..."
    A explicação parece-me clássica, Marta: a segunda oportunidade. Bem usada pelos mais inteligentes, pelo menos durante uns tempos era possível controlar o colectivo. Depois...

    Um bom final de domingo :)

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    1. Hmmm, ao menos na "vida real", nem sempre existe segunda oportunidade. Já na mitologia...

      Tenha uma ótima semana.

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