quinta-feira, 19 de outubro de 2017

É possível guardar um segredo?

A fabulosa história das orelhas de Midas


Midas, de infeliz memória, reinou na Frígia por volta do Século VIII a.C. - sim, estamos falando do desastrado rei que, segundo a lenda, adquiriu a duvidosa virtude de transformar em ouro tudo o que tocava. Entre o homem de verdade e o ser lendário vai, no entanto, uma grande diferença. É que, estranhamente, sabemos muito mais sobre o Midas mitológico do que sobre o sujeito "de carne e osso". Pesquisas arqueológicas comprovaram a existência desse rei - deixo a cargo de vocês, leitores, a diversão de tentar separar o mito da realidade. 
Os concursos de música eram comuns entre os antigos gregos, e os vencedores tinham elevada reputação, tanto quanto os que venciam em competições atléticas. Ora, em uma dessas ocasiões, Midas teria sido convidado a arbitrar um certame que tinha, entre os participantes, ninguém menos que Apolo. No julgar do rei, porém, a coroa coube a um humano, e não ao deus. Caso encerrado? Não!
Apolo, aparentando a virtude necessária a um bom competidor, não demonstrou, no momento, nenhuma insatisfação. A vingança, porém, veio com a máxima crueldade. Decorrido algum tempo, o funcionário encarregado de cortar os cabelos do rei começou a notar uma estranha transformação nas orelhas de seu amo, que não apenas estavam ganhando um tamanho descomunal, como também iam, aos poucos, adquirindo a semelhança de orelhas de burro. 
Que fazer? O real cabeleireiro não teve alternativa senão comunicar ao rei o que sucedia (como se fora possível que o próprio Midas não houvesse notado). A solução encontrada foi providenciar peruca e um tipo de chapéu para o rei, com a óbvia finalidade de ocultar algo que os súditos jamais deveriam ver. Isto feito, o cabeleireiro foi silenciado sob a ameaça do mais severo castigo.
Guardar segredos, como todo mundo sabe, não é tarefa fácil. O caso das orelhas do rei fazia cócegas no cérebro e na língua do cabeleireiro, quase levando esse distinto funcionário ao desespero. Então, um dia, já não suportando reter para si tão terrível segredo, procurou, em um bosque, um lugar que supunha completamente desabitado, e lá, cavando um buraco no chão, gritou, dentro dele: Midas tem orelhas de buuuuuuuuuuuuuuuurro!
Ufa, que alívio! Não parecia de modo algum uma inconfidência e, afinal, ninguém ouvira... Feliz da vida, o cabeleireiro voltou a seus afazeres. 
O tempo passou. Veio o inverno e, com ele, a neve. Veio a primavera e, com ela, a vegetação renasceu e brotaram as flores. O céu azul, as nuvens leves, o canto dos pássaros, tudo convidava a um passeio no bosque. Lá se foi nosso amigo cabeleireiro a desfrutar as horas de uma manhã junto à natureza. A brisa primaveril agitava docemente a vegetação - e eis aí o problema. Ao passar pelo lugar em que cavara o buraco no ano anterior, notou, aflito, que arbustos haviam crescido ao redor e, no compasso do vento, repetiam com meiguice: De buuurro, orelhas de buuuurro, Midas tem orelhas de buuuuuuuuuuuuuuuuuuuurro! Desnecessário é dizer que, em muito pouco tempo, todo o reino estava a par do lastimável segredo.
Não espero que vocês, leitores, suponham essa lenda uma realidade. Seria completa tolice. Mas os antigos gregos deixaram, nela, um ensinamento valioso: se tiverem um segredo e não quiserem de modo algum que venha a público, será melhor não contar a ninguém. Quando mais de uma pessoa sabe, já deixou de ser segredo. Esse foi o grande problema de Midas. 


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2 comentários:

  1. Sendo certo que, mal se conte a alguém, o segredo ganha asas, não é menos certo que os homens não são ilhas, precisam sempre de dizer a alguém da sua confiança o que lhes vai na alma. Em suma, de concreto, parece que um segredo serve apenas para baixar o tom da voz a quem o confidencia. :)

    Um bom final de semana, Marta :)

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    1. Ora, quando não envolve maledicência, a fofoca funciona até como fator de coesão social. Haha, brincadeirinha :-)))

      Tenha uma ótima semana!

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