No início deste ano tratei, em duas postagens, dos viajantes europeus que, no século XIX, passaram pelo Salto do Tietê, também chamado, naqueles tempos, Salto de Itu, embora hoje faça parte do município de Salto. A beleza do lugar e a força das águas encantavam os viajantes, que se ocuparam, vários deles, em registrar, por palavras ou desenhos, aquilo que viram.
Pois bem, em uma dessas postagens convidei os leitores a contrastarem o salto segundo o registro de Hércules Florence e segundo o que se vê atualmente. Já na outra postagem fiz observações sobre a quantidade de lixo que andava a infestar as águas do Tietê (principalmente garrafas pet e outros objetos de plástico e/ou metal). A quantidade de lixo era tanta que, na ocasião, o assunto chegou a figurar como tema na grande imprensa nacional. Deu-se, para o "fenômeno", a desculpa de que, sendo aquela uma época de chuvas intensas, a enxurrada havia arrastado o entulho das margens para dentro das águas que, em seu incessante movimento, encarregaram-se de espalhar os pródigos detritos da sociedade de consumo ao longo do curso do rio.
Um fato que salta aos olhos de quem analisa a obra dos viajantes europeus que percorreram o Brasil no século XIX é que há, entre eles, quase absoluta unanimidade no extasiar-se com a beleza natural do país, em flagrante contraste com o atraso cultural da população que, em sua maioria, vivia em crasso analfabetismo e imersa em superstições ridículas, obtendo a subsistência mediante práticas agrícolas primitivas e, por isso mesmo, de baixíssimo rendimento, quando as condições de clima e solo bem podiam propiciar um quadro de grande prosperidade. (*)
Ocorre que, ao longo dos anos, sempre se arranjou uma explicação para esse panorama nada lisonjeiro: era a exploração colonial, ou o jogo infame dos partidos políticos do Império, ou ainda a corrupção reinante na República Velha. Qualquer que fosse a justificativa, vinha ela acompanhada da ideia de que, "graças a tais problemas do passado", não havia muito o que esperar do presente. Sim, no fim das contas era um conceito muito conveniente, tanto para os dirigentes (que não se viam na obrigação de qualquer iniciativa séria para solucionar as grandes questões nacionais), como para os governados (que não julgavam ser seu dever exigir dos governantes o cumprimento das funções de seus respectivos cargos).
Agora, leitor, após essa breve digressão, vou finalmente contar o que é que os viajantes do século XIX não viram no rio Tietê (para sorte deles), mas que hoje está à disposição de quem quiser ver (eu vi há poucos dias). Para sorte deles, repito, não viram o rio cheio de manchas de óleo (no exato ponto de onde, no século XVIII, partiam as monções), ou repleto de poluentes que, a despeito da aparência, nada têm a ver com as fugidias "espumas flutuantes" de Castro Alves, sendo antes um indesejável subproduto de atividade industrial que precisa, com urgência, ter seus processos reavaliados, se é que se pretende ainda, seriamente, salvar o rio e todo o seu entorno. Digo seriamente porque, remetendo mais uma vez às observações dos viajantes do século XIX, esse não era o método usual de tratar problemas no Brasil. Sempre há, porém, uma possibilidade de mudar, de fazer as coisas diversamente, e precisamos acreditar e trabalhar nesse sentido. Vale acrescentar que, sendo determinado poluente lançado em um dado ponto do rio, irá afetar regiões às vezes muito distantes de onde foi produzido, o que é lamentável.
Quando criança (lá pelo início do Período Neolítico...), vi Santana de Parnaíba coberta de massas da tal espuma que, pelo exagero da quantidade, deixavam o rio e, impelidas pelo vento, chegavam às ruas da cidade. Quase inacreditável é ver o rio, ainda hoje, coberto de poluente análogo. Está, portanto, na hora de parar de inventar explicações que nada resolvem, passando-se a adotar, com responsabilidade, medidas de caráter eminentemente prático. Ah, e para contrariar ainda mais o "jeitinho brasileiro", que as providências sejam imediatas. De preferência, para hoje. Para já. O Tietê não pode esperar.
(*) Está claro que a análise negativa podia, eventualmente, ser fruto de certo preconceito ou mesmo de uma interpretação deficiente da realidade, mas o fato de que esse tipo de observação fosse quase unanimidade não deixa de ser muito significativo.
Mancha de óleo no rio Tietê (Porto Feliz, 13 de julho de 2011) |
Ocorre que, ao longo dos anos, sempre se arranjou uma explicação para esse panorama nada lisonjeiro: era a exploração colonial, ou o jogo infame dos partidos políticos do Império, ou ainda a corrupção reinante na República Velha. Qualquer que fosse a justificativa, vinha ela acompanhada da ideia de que, "graças a tais problemas do passado", não havia muito o que esperar do presente. Sim, no fim das contas era um conceito muito conveniente, tanto para os dirigentes (que não se viam na obrigação de qualquer iniciativa séria para solucionar as grandes questões nacionais), como para os governados (que não julgavam ser seu dever exigir dos governantes o cumprimento das funções de seus respectivos cargos).
Agora, leitor, após essa breve digressão, vou finalmente contar o que é que os viajantes do século XIX não viram no rio Tietê (para sorte deles), mas que hoje está à disposição de quem quiser ver (eu vi há poucos dias). Para sorte deles, repito, não viram o rio cheio de manchas de óleo (no exato ponto de onde, no século XVIII, partiam as monções), ou repleto de poluentes que, a despeito da aparência, nada têm a ver com as fugidias "espumas flutuantes" de Castro Alves, sendo antes um indesejável subproduto de atividade industrial que precisa, com urgência, ter seus processos reavaliados, se é que se pretende ainda, seriamente, salvar o rio e todo o seu entorno. Digo seriamente porque, remetendo mais uma vez às observações dos viajantes do século XIX, esse não era o método usual de tratar problemas no Brasil. Sempre há, porém, uma possibilidade de mudar, de fazer as coisas diversamente, e precisamos acreditar e trabalhar nesse sentido. Vale acrescentar que, sendo determinado poluente lançado em um dado ponto do rio, irá afetar regiões às vezes muito distantes de onde foi produzido, o que é lamentável.
Poluentes flutuantes sobre as águas do rio Tietê (Salto, 13 de julho de 2011) |
(*) Está claro que a análise negativa podia, eventualmente, ser fruto de certo preconceito ou mesmo de uma interpretação deficiente da realidade, mas o fato de que esse tipo de observação fosse quase unanimidade não deixa de ser muito significativo.
muito obrigado e parabéns pelo trabalho
ResponderExcluirmuito obrigado e parabéns pelo trabalho
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