quinta-feira, 26 de março de 2020

Roubou duas galinhas e quase foi enforcado

Como Hernán Cortés mantinha a disciplina entre seus comandados


No imaginário popular, ladrão de galinhas é o estrato mais baixo entre os gatunos de toda espécie. Pior, ainda, foi a situação de um soldado que, como parte do bando liderado por Hernán Cortés, invadiu o Império Asteca. Antes, porém, que se efetuasse a chamada "conquista" do México, o soldado Mora quase perdeu o fôlego, e de uma vez por todas.
Tem a palavra Bernal Díaz del Castillo, outro aventureiro comandado por Cortés: 
"[...] partimos para Cempoal (¹) por outro caminho, [...] e estávamos descansando porque fazia sol forte, e vínhamos muito cansados, com as armas às costas, e um soldado que se chamava Fulano de Mora, natural de Ciudad Rodrigo, tomou duas galinhas de uma casa de índios daquele povoado [...]." (²)
Ora, leitores, os invasores europeus são frequentemente descritos como aves de rapina, para quem o roubo, a pilhagem, eram ferramentas úteis, quer para sobrevivência, quer para dominação. Mas havia quem prezasse algum sentimento cavalheiresco de honra, e, infelizmente para o ladrão, Hernán Cortés, ainda que ávido por ouro, era um desses. Portanto, não estava disposto a tolerar indisciplina entre seus soldados, mesmo porque o roubo das galinhas fora feito contra um povoado com o qual eles, espanhóis, haviam entrado em amizade. Para que seus sonhos dourados (³) de conquista vingassem, era indispensável ganhar e manter o apoio de nativos desafetos dos astecas.
Para azar do ladrãozinho, Cortés viu o que fizera. Disse Bernal Díaz:
"{...] Cortés ficou furioso com o que, diante dele, fez aquele soldado em um povoado de paz em tomar as galinhas, que logo mandou colocar uma corda em seu pescoço e teria sido enforcado, se Pedro de Alvarado, que estava junto de Cortés, não lhe cortasse a corda com a espada, e meio morto ficou o pobre soldado." (⁴)
Cortés era homem de vontade férrea. Para bem ou para mal, tratava de manter a disciplina entre os comandados, não fosse o caso de algum deles estragar seus planos. Era bom negociador, conversava bem, e não seria um ladrão de galinhas que iria impedi-lo de surrupiar algo infinitamente mais valioso: o tesouro de Montezuma, imperador asteca.

(1) ou Cempoala.
(2) CASTILLO, Bernal Díaz del. Verdadera Historia de los Sucesos de la Conquista de la Nueva España. Os trechos citados nesta postagem foram traduzidos por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(3) Sem intenção de trocadilho... 
(4) CASTILLO, Bernal Díaz del. Op. cit.


Veja também:

2 comentários:

  1. Hernán Cortez, um homem com objectivos bem definidos, intolerante perante qualquer empecilho. E assim ganhou um lugar na História.
    Curiosa, esta história do ladrão de galinhas, natural duma pequena cidade (Ciudad Rodrigo) não muito distante daqui.

    Então, Marta, como vai por aí o Covid? Cuide-se.

    Tenha uma boa semana :)

    ResponderExcluir
  2. Sim, Cortés foi um daqueles sujeitos que não desistem da meta por nada deste mundo, para bem ou para mal. Infelizmente, os maus parecem suplantar os bons, ao menos em número, por larga margem.
    Por aqui o COVID-19 vai fazendo suas vítimas, cada vez mais depressa. Estou em casa, assim como grande parte da população. Enquanto isso, escrevo novos posts para o blog, leio coisas interessantes, ouço música, e por aí vai.
    Um abraço, tenha uma ótima semana!

    ResponderExcluir

Democraticamente, comentários e debates construtivos serão bem-recebidos. Participe!
Devido à natureza dos assuntos tratados neste blog, todos os comentários passarão, necessariamente, por moderação, antes que sejam publicados. Comentários de caráter preconceituoso, racista, sexista, etc. não serão aceitos. Entretanto, a discussão inteligente de ideias será sempre estimulada.