terça-feira, 17 de março de 2020

Objetos que carpinteiros de São Paulo faziam no Século XVI

Como parte de um conjunto de medidas que tinham por objetivo disciplinar o exercício de várias profissões, fixando, inclusive, os valores que poderiam ser cobrados por serviços prestados, a Câmara de São Paulo, reunida em 23 de agosto de 1587, em atenção a requerimento do procurador, decidiu instituir um juiz para o ofício de carpinteiro. Dizia a ata respectiva:
"[...] "foi requerido aos ditos oficiais que fizessem a Bartolomeu Bueno, carpinteiro, juiz do ofício de carpintaria, por ser homem que melhor entendia o dito ofício e era examinado [...]." 
Esse Bartolomeu Bueno não era, evidentemente, aquele apelidado "Anhanguera", que só viria à existência muito tempo depois, realizando as suas façanhas de sertanista no Século XVIII. A ata não informa, mas, ao dizer que o carpinteiro Bartolomeu Bueno era "examinado", é razoável supor que fosse português vindo do Reino, e lá pertencente a uma corporação de ofício, onde fizera o exame que o admitira na profissão. Seja como for, o fato é que se entendia que tivesse as qualificações necessárias para supervisionar o trabalho dos colegas. Além disso, devia ser um espécime raro no Brasil do Século XVI, quando a falta de trabalhadores habilitados em ofícios mecânicos era gritante.
Posteriormente, foi aprovado um regimento para os carpinteiros da Vila de São Paulo, estipulando preços máximos para diversos objetos (¹):
"De uma caixa de seis palmos de comprido com seu escaninho, três cruzados;
outra caixa da própria medida, de cedro, três cruzados com seu escaninho;
uma mesa de seis palmos com seus pés, bem-acabada, seis tostões;
uma porta de cinco palmos de largo e oito de comprido, um cruzado;
as cadeiras de estado que agora se costumam, duzentos e cinquenta reis, as rasas, seis vinténs;
uma caixa para marmelada, trinta réis;
uma prensa de bom pau, bem-feita e forte, quatro cruzados;
uma dúzia de tábuas para caixas de marmelada, seis tostões;
uma dúzia de tábuas de seis palmos de comprido e dois de largo, boas e sãs, que se possa fazer proveito, dois cruzados [...]."
Vejam, leitores, que não há nada excepcional nos trabalhos e objetos listados no regimento: a vida em São Paulo era simples e rústica, como só poderia ser nestes tempos em que a colonização buscava, ainda, se firmar. Destaca-se, porém, a referência às caixas e tábuas para marmelada. É que esse doce era, então, produto importante da vila, não só para consumo local, mas para venda em outras capitanias. Não eram quaisquer marmeladas, e sim, "marmeladas de São Paulo", alvo da gula dos apreciadores de doces no Brasil do Século XVI.
Sabe-se que paulistas da época não eram muito amigos da obediência sem questionamentos às posturas da Câmara. Portanto, para dissuasão de algum atrevido, a publicação do regimento dos carpinteiros foi concluída assim: "se guardará sob pena de quinhentos réis, a metade para o concelho (²) e a outra metade para quem o acusar". Desestimulavam-se as infrações, com evidente incentivo aos delatores.

(1) O regimento de 1587 para os carpinteiros foi aqui transcrito em ortografia atual, com adição da pontuação indispensável, para que seja devidamente compreendido. 
(2) Concelho, com "c", em referência à administração local. 


Veja também:

2 comentários:

  1. Os objectos construídos na época eram, realmente, de cariz muito prático. A preocupação estética - e isto acontece em todas as culturas - só aparece quando a sociedade já está devidamente consolidada.
    Muito aprendo eu com a sua partilha, Marta. Obrigado.

    Tenha um bom domingo :)

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    Respostas
    1. Correto! O fundamental era a sobrevivência, nas circunstâncias ainda difíceis que marcaram o início do processo de colonização.
      Um abraço, tenha uma ótima semana.
      Já tentei várias vezes postar um comentário em seu blog, mas não vem a resposta de que foi enviado. Pode ser que chegue duplicado, e peço que desconsidere. Se não chegar, mais tarde volto lá e tento novamente.

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