Hábitos dos romanos ricos quanto ao horário das refeições
Menções feitas por vários autores da época sugerem que os antigos romanos, ao menos nos dias do Império, tinham por costume fazer uma refeição muito leve pela manhã, composta, como regra, por frutas, pão, talvez queijo, e nada mais que isso. Por que tanta frugalidade? Vocês já vão descobrir, leitores.
Estamos falando, é certo, dos romanos livres e de boa situação econômica. Pão e frutas eram o hábito de muitos por volta do meio-dia ou mesmo mais tarde, e não gastavam muito tempo nisso - é que lá pela hora nona (¹) vinha a refeição de verdade, o banquete do dia, que, como já se pode imaginar, invadia as horas da noite. Entre romanos abastados, dar banquetes, aos quais parentes e amigos eram convidados, era uma forma civilizada de convivência.
Os comensais eram servidos enquanto se mantinham deitados em leitos parecidos com divãs. Apoiavam-se em um dos cotovelos, ficando os alimentos em mesas dotadas de três pés, os triclínios. Havia gente em Roma que travava verdadeiras disputas quanto à sofisticação dos banquetes oferecidos, contratando cozinheiros que, no comando de numerosos escravos, faziam comparecer às mesas alimentos preparados com os mais exóticos ingredientes. Gente comedida se contentava, porém, com culinária mais sóbria. Para que tudo corresse a contento, era comum ter sempre alguém para ler durante as refeições, e mesmo músicos e dançarinos para entretenimento do anfitrião e de seus convidados.
A situação da gente pobre era bem diferente, valendo o mesmo no caso dos escravos. Portanto, deve-se entender que os excessos cometidos em banquetes oferecidos por Calígula e outros imperadores eram exceção, e não regra, ainda que suas práticas chegassem, às vezes, a pôr em perigo a saúde financeira do Império. De acordo com Suetônio (²), em apenas um ano, Calígula esgotou o tesouro acumulado por Tibério, seu antecessor, e, vendo que o dinheiro escasseava, não teve dúvida em fazer lançar novos impostos.
Horário das refeições no Brasil Colonial
Agora, vejamos o que acontecia no Brasil Colonial, em se tratando do horário usual para refeições. Graças a Joaquim Manuel de Macedo (³), que explicou a questão muito bem em Memórias da Rua do Ouvidor, é fácil saber que gente desse tempo já distante tinha hábitos diferentes daqueles que predominam no Brasil de hoje:
"No século décimo sexto e ainda até quase o fim do décimo oitavo, os antigos colonos portugueses não tinham no Brasil café para tomá-lo com a aurora, mas almoçavam com o sol às seis ou sete horas da manhã, e jantavam com ele em pino ao meio-dia, salvo o direito de merendar (hoje se diz fazer lunch) às dez horas da manhã."
Macedo, consciente ou não de que seria útil aos leitores do futuro, ainda explicou como andavam os horários de refeições em seu próprio tempo, aquele a que nos referimos como sendo o "do Império". Professor de História que foi, ainda que médico por formação, tratou de mostrar a razão para tanta mudança nos costumes:
"Atualmente a sociedade civilizada almoça à hora em que os velhos portugueses jantavam, e janta de luzes à mesa à hora em que se levantavam da ceia aqueles nossos avós.
História de progresso e de civilização, que levam e estendem o sol de seus dias até depois da meia-noite com a iluminação a gás, e, ainda preguiçosos, saúdam o rompimento de suas auroras às nove horas da manhã, quando abrem as cortinas de seus macios leitos, e tomam, ainda bocejantes, o seu café madrugador."
O conjunto de transformações, não só nos horários de refeições, mas no estilo de vida como um todo, foi atribuído por Macedo à introdução de iluminação artificial eficiente - a gás, em seus dias - que possibilitava à gente que não tinha de madrugar para o trabalho, ficar acordada, a tagarelar, até muito tarde. Tarde, sim, mas para os padrões antigos, não para os notívagos do tempo do Império. Que diria se visse como vivemos no Século XXI?
A ceia praticamente desapareceu dos hábitos brasileiros, exceto em ocasiões especiais ou por investidas fortuitas e quase sigilosas à geladeira, quando a noite se adianta. Refeições, como regra, ficaram mais rápidas, e, para a maioria das pessoas, ocorrem três vezes ao dia: antes do trabalho, no intervalo do trabalho e ao final do dia de trabalho. Percebem qual é aqui a palavra-chave, a moldar os hábitos? A disciplina imposta ao trabalho a partir da Revolução Industrial modificou radicalmente as práticas relacionadas ao horário das refeições no Ocidente. Acreditem, leitores: nem mesmo o Brasil escapou a esse processo.
(1) Cerca de 15 horas, de acordo com a época do ano.
(2) De vita Caesarum, Livro IV.
(3) 1820 - 1882.
Veja também:
Transversal a todas as épocas, podemos reduzir tudo a uma máxima: o trabalho dita o horário das refeições. Até mesmo a dos antigos romanos, cuja preocupação maior era a da satisfação do lazer, fazendo, assim, da festa a hora de maiores apetites.
ResponderExcluirUma leitura apetecível, Marta. :)
Tenha um bom domingo.
Que dizer disso, agora que as horas convencionais de trabalho foram para o espaço, quase no mundo todo? Sim, é uma circunstância excepcional, mas me questiono se vai introduzir alguma mudança permanente nos hábitos.
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