Quem passeava em uma cadeirinha de arruar
Cadeirinha de arruar era exatamente o que o nome diz: uma cadeira, conduzida por escravos, na qual alguém era transportado pelas ruas de uma localidade. Esse "alguém" era quase sempre do sexo feminino. A cadeirinha tinha, em geral, alguma cobertura, que servia para manter o "transportado" (ou a transportada) longe dos olhos curiosos dos passantes, o que condizia perfeitamente com os costumes vigentes no Brasil Colonial, segundo os quais as mulheres "de bem", principalmente as casadas, viviam reclusas, sob estrita vigilância, tendo contato apenas com os parentes próximos e, eventualmente, com o padre confessor, ainda que, neste último caso, não poucos escritores da época recomendassem cautela (¹). As gelosias (²), que permitiam ver sem ser visto (vista), eram um outro desses artifícios que se empregavam para isolar as mulheres de qualquer contato com quem não era membro da família.
Mulher em cadeirinha, de acordo com Debret (³) |
Passear em uma cadeirinha de arruar pressupunha, no entanto, um certo padrão econômico, pois era necessário dispor do número necessário de escravos para a tarefa, ou seja, pelo menos dois, dependendo do modelo de cadeirinha que se usava.
Em As Minas de Prata, José de Alencar fez referência às senhoras e senhoritas que iam à igreja em suas respectivas cadeirinhas: "...a igreja enchia-se de fiéis, e no adro viam-se já as cadeirinhas e palanquins que traziam à missa as donas e filhas dos ricos senhores da Bahia." E, pouco depois, na mesma obra: "O moço ia replicar, quando uma cadeirinha de cúpula dourada, que vinha das bandas do Terreiro do Colégio, carregada por dois negros vestidos à mourisca, com aljubas de lã escarlate, excitou vivamente sua atenção." (⁴)
(1) Veja a postagem "Deslizes de alguns membros do clero colonial - Parte 2".
(2) Sobre as gelosias, veja a postagem "A reclusão de mulheres no Brasil Colonial (Parte 1): Olhando a vida através das gelosias".
(3) DEBRET, J. B. Voyage Pittoresque et Historique au Brésil vol. 3. Paris: Firmin Didot Frères, 1839. O original pertence à Brasiliana USP; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(4) Quem ficou muito curioso só com esse trecho, tem um bom remédio: ler toda a obra!Veja também:
Excelente resgate da memória e história dos costumes brasileiros. Parabéns pela iniciativa. O testemunho de Debret é pura riqueza.
ResponderExcluirOlá, José Nilton, obrigada por sua visita ao blog. De fato, a obra de Debret é fundamental, permitindo visualizar situações relativas à vida no Brasil nas primeiras décadas do Século XIX, que, a não ser por suas gravuras, não seriam facilmente compreendidas.
ExcluirHoje aprendi, aqui, o que é uma cadeira de arruar. Grato. É o que eu conhecia como liteira.
ResponderExcluirOlá, afonsojr, as cadeirinhas de arruar eram geralmente usadas em espaços urbanos. Eram carregadas por escravos e podiam ser cobertas, embora nem todas fossem. Já as liteiras eram maiores, havendo algumas que deviam ser carregadas por animais de carga, e não por escravos. Serviam, quase sempre, para viagens. A finalidade, no entanto, das cadeirinhas e liteiras, era a mesma, como você assinalou com acerto.
ExcluirObrigada por visitar este blog. Tenha uma ótima tarde!