quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

As secas no Nordeste brasileiro e o Dia de Santa Luzia

As secas que ocorrem de tempos em tempos no Nordeste brasileiro chamaram a atenção de diversos autores desde a época colonial. À medida que exploradores rompiam a "regra" de ocupar apenas o litoral, alguns chegaram a encontrar lugares muito diferentes daquilo que constituía a verdejante paisagem litorânea. E, já no século XIX, o Padre Ayres de Casal iria observar, em relação à Bahia:
"Por toda a parte se cria gado vacum, que seria mais que suficiente para o consumo de toda a Província, se houvesse inverno (¹) e as trovoadas fossem regulares no verão. Já dissemos que os invernos do beira-mar não se estendem a mais de trinta léguas para o interior do Continente, onde só chove havendo trovoadas e proporcionalmente a elas, as quais de ordinário não são abundantes e às vezes quase falham de todo em partes do Norte. O sol duas vezes vertical sobre cada lugar deixa a terra como calcinada: chovendo, o chão cobre-se de erva em poucas semanas e o gado engorda, mas logo que a seca aperta, a verdura desaparece, e os animais só pastam a rama dos arbustos que a conservam, e vão tenteando, tendo água; se os tanques, que as trovoadas encheram, e as torrentes secam, há mortandades." (²)
O mesmo terrível fenômeno da seca foi descrito por Capistrano de Abreu em seus célebres Capítulos de História Colonial:
"[...] Secam os rios, exceto em alguns poços e depressões, murcham os pastos, permanecem nuas as árvores, sucumbe o gado à sede ou à inanição, e a gente morre à fome quando só dispõe dos recursos locais. A necessidade de lutar contra a calamidade inspirou a construção de açudes, a cultura das vazantes, a retirada do gado, a distribuição de ramas para alimentá-lo, as grandes levas de retirantes." (³)
Já se assinalou que parece haver uma certa periodicidade nas secas que afetam o Nordeste - não estritamente exata, por suposto, mas obedecendo a uma lógica ainda não totalmente compreendida. O sertanejo, por sua vez, o grande afetado pelo drama da falta de chuvas, esse intentou um pequeno "experimento", com o qual se supôs prever o futuro, a ser realizado na noite que antecede o dia de Santa Luzia, 13 de dezembro. A descrição de Euclides da Cunha em Os Sertões é simples e precisa:
"No dia 12 ao anoitecer expõe ao relento, em linha, seis pedrinhas de sal, que representam, em ordem sucessiva da esquerda para a direita, os seis meses vindouros, de janeiro a junho. Ao alvorecer de 13 observa-as: se estão intactas, pressagiam a seca; se a primeira apenas se deliu, transmudada em aljôfar límpido, é certa a chuva em janeiro; se a segunda, em fevereiro; se a maioria ou todas, é inevitável o inverno benfazejo."
Ninguém imagine que semelhante teste pode, de fato, prever as condições climáticas com rigor científico. É parte da tradição local, e ainda há quem creia nele. Entretanto, séculos têm transcorrido e, novamente, os meios de comunicação têm noticiado, a todo instante, fatos relacionados à seca neste ano. A despeito dos grandes avanços nos conhecimentos meteorológicos, nada consegue, ainda, realizar aquilo que o sertanejo sempre almejou com a Prova de Santa Luzia. Chega a ser irritante, porém, que tanto tempo se passe, tantas obras contra a seca sejam anunciadas, e chegada a seca, novamente, as calamidades se repitam. Não haverá, mesmo, nada mais definitivo que se possa fazer?
 
(1) Aqui inverno não é uma das quatro estações em que tradicionalmente se divide o ano, mas uma referência à temporada de chuvas.
(2) AYRES DE CASAL, Manuel. Corografia Brasílica, vol. 2. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1817, p. 133.
(3) ABREU, J. Capistrano de. Capítulos de História Colonial: 1500 - 1800. Brasília, Ed. Senado Federal, 1998, pp. 18 e 19.


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