terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Sucuris

Isto já foi parte de uma sucuri (¹)

Há algumas semanas, a imprensa andou comentando o caso de uma sucuri capturada em uma fazenda no interior de Goiás, cujo proprietário, depois de notar o sumiço de alguns animais, resolveu instaurar vigilância e constatou que a larápia era ninguém menos que um exemplar de quase seis metros de comprimento. Com as precauções indispensáveis, o réptil foi capturado e devolvido à natureza, depois que profissionais especializados constataram seu perfeito estado de saúde. 
Aparições de sucuris já não ocorrem frequentemente, daí o estardalhaço com que são noticiadas. Mas nem sempre foi assim. No Brasil Colonial, as sucuris, por suas dimensões, impunham espanto e medo aos colonizadores. De acordo com frei Antônio de Santa Maria Jaboatão (²), quem precisava andar por áreas alagadas usava, naquele tempo, a seguinte estratégia, para saber de antemão se havia sucuris por perto:
"Os que andam por semelhantes lugares e lhes é preciso atravessar esses lagos, para saberem se neles habitam estas cobras, ou serpentes, em chegando à margem deles, disparam uma arma de fogo, porque elas ao mesmo tempo que ouvem o estouro, correspondem, dando um grande urro [sic], lançando a cabeça fora da água; e assim se conhece facilmente onde as há." (³)
Fato ou lenda, ninguém sabe ao certo, mas foi Francisco José de Lacerda e Almeida quem contou em 1788, ao escrever um diário de viagem pelo rio Tietê:
"Deixei na margem boreal um ribeirão chamado Sucuriy [sic], por causa de uma cobra deste nome de extraordinária grandeza, que nele foi achada. Os escravos que vinham na comitiva, julgando ser um tronco, quiseram-lhe deitar fogo para se aquentarem a ele por toda noite: com o calor se moveu o suposto tronco, e cheios de admiração todos se tiraram do engano em que estavam. Esta é a tradição, e muito verossímil para os que têm viajado por este novo mundo, onde a cada passo estão encontrando coisas que teriam por fabulosas se não tivessem sido testemunhas oculares." (⁴)
Compreende-se, assim, por que motivo, mesmo bastante tempo depois, Euclides da Cunha, em Os Sertões, comparou o combate dos sertanejos contra forças governamentais, durante a Guerra de Canudos (⁵), à luta entre uma sucuri e um touro:
"A tática invariável do jagunço expunha-se temerosa naquele resistir às recuadas, restribando-se em todos os acidentes da terra protetora. Era a luta da sucuri flexuosa com o touro pujante. Laçada a presa, distendia os anéis; permitia-lhe a exaustão do movimento livre e a fadiga da carreira solta, depois se constringia repuxando-o, maneando-o nas roscas contráteis, para relaxá-las de novo, deixando-o mais uma vez se esgotar no escarvar a marradas, o chão; e novamente o atrair, retrátil, arrastando-o - até ao exaurir completo..."

(1) O esqueleto visto na foto pertence ao acervo do Museu de Ciências Naturais do Zoológico de Brasília. 
(2) Antônio de Santa Maria Jaboatão foi um autor do Século XVIII que escreveu sobre as origens e desenvolvimento das missões e conventos franciscanos no Brasil, entretecendo, em sua obra, relatos sobre o quotidiano colonial, que são interessantes para quem se dedica a estudar esse período.
(3) JABOATÃO, Antônio de Santa Maria O.F.M. Novo Orbe Serafico Brasilico, ou Crônica dos Frades Menores da Província do Brasil Segunda Parte. Rio de Janeiro: Typ. Brasiliense, 1859, p. 677.
(4) ALMEIDA, Francisco José de Lacerda e. Demarcação dos Domínios da América Portuguesa. São Paulo: Typographia de Costa Silveira, 1841, p. 81.
(5) 1896 - 1897.


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