terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Por que se cultivava milho e feijão nas fazendas de café do Século XIX

Pensemos nas fazendas do Vale do Paraíba e áreas adjacentes em meados do Século XIX. O cultivo de café era prioridade, não há dúvida, mas, para assegurar a produção desse gênero exportável, recomendava-se plantar, também, aquilo que fosse mais útil para a manutenção dos trabalhadores (escravos, nesse tempo). Entre as culturas secundárias, mas indispensáveis, estavam o milho e o feijão.

Milho


São palavras de Francisco Peixoto de Lacerda Werneck (¹), recomendando o plantio de milho ao filho, ainda jovem, que assumia o comando de uma propriedade agrícola: "É este o alimento mais necessário ao lavrador de serra acima; com ele se nutrem os escravos, a tropa (²), os cavalos, os porcos, os carneiros, galinhas, etc. etc. Deve-se ter o celeiro onde se guarda bem provido, e haver a maior cautela na sua sementeira, que deve ser em terras da melhor qualidade." (³)
Como o objetivo era ter o máximo ganho, todo desperdício deveria ser evitado: "[...] A palha não se deve queimar, mas sim guardar em um paiol para isso feito, e deste se vai tirando para a boiada, por ser um grande alimento para estes animais." (⁴)
Não sei se os bois aprovariam, mas é de se notar um avanço em relação aos tempos coloniais, quando se dava ao bagaço da cana-de-açúcar o pior destino possível. Werneck acertava, é claro, em buscar o aproveitamento de tudo o que era cultivado.

Feijão


Quanto ao cultivo de feijão, Lacerda Werneck recomendou, ao salientar seu emprego na alimentação, tanto dos escravos quanto da família do fazendeiro: "É este um alimento tanto mais sadio quanto necessário [...]; serve ele para a principal alimentação dos trabalhadores e para o prato quotidiano de nossas mesas, dando-se-lhe o nome vulgar de pai da casa." (⁵)
Em suas instruções de cultivo, temos um retrato das práticas agrícolas associadas ao feijão no Século XIX, quando os braços cativos, que moviam enxadas, eram os equipamentos agrícolas usuais no Brasil:
"Logo que ele [o feijão] tem um mês ou que principia a deitar o baraço, deve-se-lhe chegar terra ao pé, e tirar todas as ervas parasitas [sic]. O melhor meio de se conseguir vantagem deste grão é plantá-lo debaixo do milho, e também na falta deste se planta solteiro ou entre canas semeadas de novo, mas nesse caso é melhor usar do de cor, que também resiste melhor ao frio, se porventura se fizer a sementeira em março, o que só se deve praticar por urgente necessidade." (⁶)
Em razão das distâncias e das dificuldades de transporte, propriedades agrícolas do Século XIX deviam ser tão autônomas quanto possível, o que explica, ainda, esta consideração de Lacerda Werneck sobre a palha do feijão, quando, depois da colheita, a plantação secava: "A palha queima-se quando não houver cômodo para depositá-la; no dia seguinte, junta-se a cinza que abunda de potassa, e guarda-se em formas ou jacás para com ela se fazer decoada para o sabão do gasto da casa." (⁷)

(1) Segundo barão de Paty do Alferes. Sua Memória Sobre a Fundação e Custeio de uma Fazenda foi publicada originalmente em 1847.
(2) Muares empregados no transporte de carga.
(3) WERNECK, Francisco Peixoto de Lacerda. Memória Sobre a Fundação e Custeio de uma Fazenda na Província do Rio de Janeiro 2ª ed. Rio de Janeiro: Laemmert, 1863, p. 85.
(4) Ibid., p. 88.
(5) Ibid., p. 89.
(6) Ibid., p. 90.
(7) Ibid., p. 92.


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