quarta-feira, 23 de março de 2016

Exportações brasileiras em meados do Século XIX

A Bruzundanga, segundo Lima Barreto, era um país que "vivia de expedientes, isto é, de cinquenta em cinquenta anos, descobria-se nele um produto que ficava sendo a sua riqueza. Os governos taxavam-no a mais não poder, de modo que os países rivais, mais parcimoniosos na decretação de impostos sobre produtos semelhantes, acabavam, na concorrência, por derrotar a Bruzundanga; e assim, ela fazia morrer a sua riqueza, mas não sem os estertores de uma valorização duvidosa. Daí vinha que a grande nação vivia aos solavancos, sem estabilidade financeira e econômica; e, por isso mesmo, dando campo a que surgissem, a toda a hora, financeiros de todos os seus cantos e, sobretudo, do seu parlamento".
Mas por que gastaríamos tempo com a Bruzundanga? Falemos do Brasil.
Ainda há quem discuta se é correto referir-se a um "ciclo econômico" do pau-brasil, da cana-de-açúcar, do ouro, do café, e assim por diante. Ora, deixando de lado essa questão, pode-se dizer que, pelos tempos do Império, a pauta de exportações brasileiras era até bastante diversificada. Sabemos, pelo que se publicou no Almanaque Laemmert de 1852 (¹), quais eram os itens exportados no Rio de Janeiro e qual era o imposto de exportação com que cada mercadoria era taxada. Querem ver? A lista é longa, mas muito instrutiva para quem quiser compreender a situação econômica do Brasil daquela época:
  • Com imposto de 1%, "ouro em barras, sendo fundidas nas casas de fundição de moeda do Império";
  • Com imposto de 2%, "pólvora, a prata em bruto ou manufaturada, as joias, as pedras preciosas, exceto os diamantes, ouro em pó e em barra não legalizado";
  • Com imposto de 7%, "aguardente de cana, cachaça restilada; algodão em rama, do Espírito Santo, de Minas, tecido branco, riscado; amendoim em casca; anil; araruta; arroz; açúcar branco, mascavo refinado; atanados; azeite de peixe; barbatana; batatas; betas; bolacha grossa; cabos de couro; café em grão, em pó; caixas para cera ou doce; cal de marisco; carne-seca; chifres; charutos; chapéus de pelo, de palha; chocolate; cristal; crina em rama, beneficiada; couros de cavalo, de boi, salgados; cola; doces de qualquer qualidade; esteiras para forro; estopa; farinha de mandioca, de milho; feijões; fio de algodão, de ticum; fumo em rolos, em folha; foguetes; goma; ipecacuanha; lã em bruto, beneficiada; lenha; licores; mamona em grão; mate; mantas de algodão; melado milho; óleo de rícino, de mamona; peles de cabra, etc.; queijos; quina; raiz de abutua; rapadura; rapé; refrescos ou capilés; resina de batatas; roscas; sabão; sal; sebo em rama, derretido; sola ou vaquetas; surrões; salsaparrilha; sanga de arroz; tabaco em pó; tamarindos em rama; tamancos; tapioca; tatajiba; tartaruga; telhas; tijolos de barro; tucum em rama; toucinho, lombo ou banha; trançado de algodão; unhas de boi; madeiras de todas as qualidades, pernas de serra, caibros, ripas, etc.";
  • Diamantes, com imposto de 1500 réis por oitava, ou 1/2%.
Vamos, agora, a umas poucas observações. A primeira delas é que as "exportações" e seus respectivos impostos não eram relativos apenas ao que seguia para o exterior, incluindo, também, aquilo que era mandado para outras províncias do Império. 
A segunda observação é destinada aos leitores que ficaram preocupados com os itens exportáveis que, eventualmente, não estivessem contidos na lista. Acontecendo um caso omisso, dizia o Almanaque Laemmert, "os gêneros que não estão incluídos nesta pauta são avaliados pelos feitores da Mesa do Consulado". (²)

Embarcações nas proximidades do Rio de Janeiro, Século XIX (³)

Finalmente, alguém poderá pensar que tamanha variedade de artigos para exportação deveria refletir uma economia muitíssimo dinâmica. Puro Engano. Os produtos que de fato contavam eram poucos. Uma pequena nota que apareceu no primeiro número de O Agricultor Brasileiro, publicado no ano de 1853, provê uma concisa (porém eficiente) visão do problema:
"Durante o findo mês de outubro saíram cinquenta e oito embarcações estrangeiras carregadas de gêneros do País, constando pela maior parte, de café e açúcar." (⁴)
Café e açúcar - estava aí o nexo perfeito entre a base de grande parte da economia colonial (o açúcar) e o produto que ditaria os rumos da monocultora exportadora não só no Império como em toda a República Velha (⁵).

(1) LAEMMERT, Eduardo. Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro Para o Ano Bissexto de 1852. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1852, pp. 230 e 231.
(2) Ibid., p. 231.
(3) RIBEYROLLES, Charles. Brazil Pittoresco. Paris: Lemercier, 1861. O original pertence à BNDigital; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(4) O AGRICULTOR BRASILEIRO. Rio de Janeiro: Typographia de Nicolau Lobo Vianna Junior, 1853, p. 30.
(5) Os Bruzundangas foi publicado em 1922.


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