segunda-feira, 28 de março de 2016

Cavalos na conquista da América

Não havia cavalos na América antes que, em fins do Século XV, europeus pusessem os pés no Novo Mundo. Sim, é verdade que há cavalos selvagens em uns poucos lugares do Continente, mas eles descendem de animais trazidos durante a colonização, e que, por assim dizer, "voltaram para a natureza".
Nem todo mundo sabe, porém, que os cavalos tiveram uma enorme importância na chamada "conquista da América", dando aos europeus uma vantagem que talvez nem houvessem previsto quando faziam embarcar animais para a travessia do Atlântico. Se alguém tem dúvidas quanto à veracidade desse fato, será útil considerar que o frei dominicano Bartolomé de Las Casas, em sua Brevísima Relación de la Destrucción de las Índias, descreveu os cavalos como "a arma mais perniciosa que pode haver contra índios" (¹).
O mesmo Las Casas explicou, com respeito à ocupação da Nicarágua, que era prática enviar homens a cavalo, não restando "homem nem mulher, nem velho e nem idoso com vida, pelos motivos mais irrisórios, como não atender rapidamente ao chamado, ou não trazer tanto milho, que é o trigo de lá, ou tantos índios para serviço [...], porque, como o terreno era plano, ninguém podia fugir dos cavalos, nem de sua ira infernal". (²)
Como seria muito razoável supor, a população nativa tratou de procurar algum modo pelo qual pudesse dificultar o deslocamento dos cavaleiros. Indígenas começaram a cavar grandes buracos, dentro dos quais colocavam estacas pontiagudas. Tudo era então coberto com bastante capim e ramos de árvores. Vindo os cavalos, caíam nesses fossos e acabavam morrendo em consequência dos ferimentos.
Ora, a resposta dos conquistadores não se fez esperar. Conta Las Casas:
"Não mais que uma ou duas vezes caíram cavalos [nos fossos]; mas, para vingança, os espanhóis fizeram lei, segundo a qual todos os índios, de todo gênero e idade que capturassem com vida, fossem lançados nos fossos, assim mulheres grávidas ou com bebês, crianças e velhos; a quantos alcançavam, lançavam nos fossos, até que ficavam repletos de atravessados pelas estacas, o que era uma grande lástima de ver, especialmente as mulheres com seus filhinhos." (³) 
É possível que alguns dos leitores entendam que nos relatos de Las Casas (⁴) havia, talvez, certo exagero, porém nunca será demais recordar que tudo isso se publicou ainda em vida da maioria dos "conquistadores" da América, que jamais apresentaram qualquer defesa convincente para suas ações. A conquista rendia muito ouro, um fato que explica o silêncio, na época, de muitos daqueles a quem cabia fazer justiça contra tanta monstruosidade.

***

Para satisfazer a curiosidade de leitores que talvez queiram saber se alguma coisa semelhante aconteceu no Brasil, menciono aqui um incidente relatado por Frei Vicente do Salvador em sua História do Brasil (⁵), quanto a uma ocasião em que colonizadores ameaçaram tomar vingança da morte de alguns brancos por uma tribo indígena, com a qual viviam em atrito: "Isto bastou para os alborotar e pôr a todos em fugida, o que também fizeram por verem no nosso exército cavalos, porque os temem muito."
Fatos como esse, porém, não eram generalizados, já que parte expressiva do território brasileiro ocupado nos tempos coloniais não era muito favorável a investidas de cavalaria, fosse pelo relevo, fosse pela densa cobertura vegetal.

(1) LAS CASAS, Bartolomé de. Brevísima Relación de la Destrucción de las Índias. Philadelphia: Juan F. Hurtel, 1821, p. 27.
(2) Ibid., p. 45.
(3) Ibid. p. 68.
(4) As citações da obra de Bartolomé de Las Casas incluídas nesta postagem (cuja primeira edição foi publicada na Espanha em 1552), são tradução de Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(5) O manuscrito data de c. 1627.


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2 comentários:

  1. Caramba, monstruosidade é dizer pouco. Antes morto que capturado.
    Episódios desses, no entanto, de dominadores e dominados repetem-se até à exaustão na História.
    Abraço
    Ruthia d'O Berço do Mundo

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    Respostas
    1. Não precisamos nem procurar com lente de aumento para encontrar casos parecidos em nossos dias.

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