Escambo, todo mundo sabe, é o nome tradicionalmente dado às trocas de mercadorias entre europeus e indígenas da América, ocorridas no princípio da Colonização. À procura de madeiras nobres, especiarias e metais preciosos, comerciantes ofereciam aos indígenas tesouras, facas e outras ferramentas, contas coloridas, ou seja, coisas de baixo custo, ainda que o valor de um objeto não esteja relacionado apenas ao preço, mas à raridade e estima que lhe são dadas. Economicamente, os europeus levavam grande vantagem, mas seria tolice negar que nativos do Continente Americano logo tenham desenvolvido interesse por esse tipo de comércio. Em alguns casos, contudo, as trocas resultaram em situações engraçadas. Vou falar de uma delas.
Corria o ano de 1518. Um grupo de soldados e aventureiros espanhóis, desesperados por encontrar ouro, navegava nas proximidades do México, quando entrou em contato com alguns indígenas e começou a resgatar com eles. "Resgatar" significava fazer trocas ou escambo, e "resgates" eram as mercadorias de pouco valor que ofereciam aos ameríndios. Conta Bernal Díaz del Castillo, soldado espanhol que era parte do grupo:
"[...] todos os índios daquela província tinham por costume trazer umas machadinhas de cobre polido, à semelhança de armas, que tinham cabos de madeira muito pintados, e nós acreditamos que eram ouro baixo, e começamos a resgatar com eles; digo que em três dias conseguimos mais de seiscentas delas, e estávamos muito contentes, crendo que eram de ouro baixo, e os índios muito mais com suas contas. Tudo, porém, em vão, porque as machadinhas eram de cobre (¹), e as contas, quase nada. Um marinheiro havia resgatado às escondidas sete machadinhas e estava muito alegre por elas, e parece que outro marinheiro foi dizê-lo ao capitão, que lhe ordenou entregá-las, mas nós pedimos por ele, e ficou com as machadinhas, crendo que eram de ouro." (²)
Quem poderia calcular o entusiasmo dos espanhóis, diante de um "achado" que, supunham, iria torná-los ricos de um dia para outro? Que sorte, a deles...
Navegaram de volta a Santiago de Cuba, onde estava o governador Diego Velazquez, a quem deviam prestar contas de suas viagens, descobertas e façanhas. Como leais súditos do rei da Espanha, apresentaram as machadinhas brilhantes para que o ouro fosse quintado (³). Foi aí que fizeram uma importante - e triste - descoberta. É ainda Bernal Díaz quem relata:
"[...] trouxeram as seiscentas machadinhas (⁴) que pareciam de ouro, e quando as trouxeram para quintar estavam tão mofadas, como cobre que eram, e ali houve muito que rir e dizer da burla e do resgate." (⁵)
Para quem queria ouro, era mesmo muito pouco.
(1) Ou, pelo menos, Bernal Díaz supunha que fossem desse material.
(2) CASTILLO, Bernal Díaz del. Verdadera Historia de los Sucesos de la Conquista de la Nueva España. Os trechos dessa obra citados aqui foram traduzidos por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(3) Vejam, leitores, que a cobrança dos Reais Quintos não era exigência apenas dos monarcas portugueses.
(4) Não é impossível haver exagero no número de machadinhas que trouxeram.
(4) Não é impossível haver exagero no número de machadinhas que trouxeram.
(5) CASTILLO, Bernal Díaz del. Op. cit.
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