O malogro trágico da capitania concedida a Francisco Pereira Coutinho - até esse donatário foi petiscado em um festim antropofágico - deu lugar, após algumas controvérsias, a que Dom João III, a fim de centralizar a administração portuguesa no Brasil, determinasse o lugar aproximado para a sede do Governo-Geral que criava. Nas palavras de Antônio de Santa Maria Jaboatão (¹), o rei "determinou tomá-la (²) a si [...], noticioso com a verdade de sua espaçosa enseada, dos muitos e grandes rios que nela entravam, nas margens dos quais se podiam fabricar muitos engenhos e rendosas fazendas, e que ficando situada no meio destas costas do Brasil, podia ser um como coração de toda essa Província, e de onde pudesse acudir a todas as mais capitanias, como a membros seus, e assim edificar nela uma cidade, que fosse cabeça de todo o Estado" (³).
Tudo, no entanto, estava por construir, e decretos, por bonitos que sejam, não fazem brotar povoações e prédios públicos, a menos que se ponha mãos à obra. Dom João III estava longe do Brasil, mas tinha consciência de que era preciso agir nesse sentido, de modo que nomeou Tomé de Sousa como primeiro governador-geral e dispôs o necessário para que viesse à América do Sul acompanhado de gente que pudesse trabalhar para dar ao Brasil sua primeira capital, a Cidade da Bahia, ou Salvador, como a chamamos hoje. Exagerou, contudo, no número de funcionários públicos embarcados. Era gente demais para a administração, enquanto a cidade a ser fundada requeria, por suposto, homens de ofícios mecânicos. Por muito tempo o Brasil sofreria a falta de mão de obra especializada.
Não se imagine, porém, que donatários de outras capitanias tenham recebido felizes as novas da criação do Governo-Geral. Nem podia ser assim, porque o novo sistema retirava poderes que antes estavam em mãos dos capitães-donatários. Ainda citando Jaboatão, a Tomé de Sousa o rei "deu poder e alçada sobre todos os senhorios e proprietários das mais capitanias, por um novo Regimento, pelo qual derrogava e cassava a todos os poderes que nelas tinham, assim no crime como no cível, de que se seguiam os grandes incômodos e notáveis violências que o tempo havia mostrado, pelo muito poder e independência com que as governavam os seus donatários (⁴), do que eles apelaram perante o rei, e não foram, com justa causa, providos, por entender assim a Majestade era o mais conveniente ao bom regime dos seus povos e adiantamento das mesmas conquistas" (⁵).
Esses, leitores, eram tempos de absolutismo monárquico. Podiam os donatários espernear quanto quisessem. Em última análise, era o rei quem mandava, e ponto final.
(1) Nascido em Pernambuco em 1695, foi escritor importante no Século XVIII.
(2) A Capitania da Bahia de Todos os Santos, que fora de Francisco Pereira Coutinho.
(3) JABOATÃO, Antônio de Santa Maria O.F.M. Novo Orbe Serafico Brasilico, ou Crônica dos Frades Menores da Província do Brasil Volume 1. Rio de Janeiro: Typ. Brasiliense, 1858, pp. 121 e 122.
(4) Ou aqueles que governavam em nome dos donatários, já que alguns deles sequer chegaram a pôr os pés no Brasil.
(5) JABOATÃO, Antônio de Santa Maria O.F.M. Op. cit., p 122.
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