Pequena reflexão sobre certas semelhanças entre as primeiras décadas dos Séculos XX e XXI
Anúncio de sabão para uso doméstico geral (¹) |
Diz uma:
- Olha, Fulana, latas de mantimento, como aquelas que a gente tinha!
A outra:
- E que a gente ficava areando, até brilhar...
Resmunga a primeira:
- Pensando bem, ô vida desgraçada que a gente levava, hein...
Meus leitores, essas veneráveis memórias de simpáticas vovós não podem deixar de suscitar algumas reflexões. Saído há pouco da escravidão, o Brasil das primeiras décadas do século XX, confrontado com as novas realidades do trabalho livre e da urbanização, viu redefinirem-se o espaço doméstico e toda a lista de cuidados necessários à boa ordem de uma casa. A cozinha ideal do século XIX, a da casa-grande, repleta da fumaça de um fogão a lenha, no qual se preparavam doces, bolos e comidas típicas de fazenda, tudo em tachos ou panelas enormes, foi sendo suplantada, urbanamente, por outra menor, com muito menos fumaça e, naturalmente, com outros padrões de asseio. Compreende-se: a mão de obra doméstica já não vinha das senzalas, e muitas vezes a dona da casa tinha, literalmente, que pôr a mão na massa, ao menos para comandar as tarefas diárias, o que não excluía a presença de trabalhadores (e principalmente trabalhadoras) assalariados: cozinheira, copeira, arrumadeira, faxineira, lavadeira, e por aí vai. A lista podia (e ainda pode) ser maior ou menor, diretamente proporcional às posses da família empregadora. É quase desnecessário lembrar que, nesses tempos, a ideia de que a população masculina da família pudesse participar das tarefas domésticas era, ao menos como regra geral, inexistente.
Anúncio de sabão em pó para a lavagem de roupas (²) |
Propaganda de cera para pisos (³) |
O que era então passar camisas e ternos de linho usando um ferro de brasa? Lavar e alvejar brancos lençóis bordados à mão? Paremos por aqui, para evitar pesadelos.
Anúncio de fogões a gás (⁴) |
Pra quem quiser enxergar: tragédia ou farsa, o século XXI presencia, em certo sentido, a repetição do fenômeno ocorrido no início do século XX. Há cem anos era preciso acostumar-se com o fato de que já não se podia lançar mão da senzala para o trabalho da casa. Hoje... Concluam por si mesmos.
(1) A CIGARRA, nº 235, 1º de julho de 1924.
(2) A CIGARRA, nº 242, 1º de dezembro de 1924.
(3) A CIGARRA, nº 227, 1º de março de 1924.
(4) CORREIO DA SEMANA, 30 de novembro de 1914.
Todas as imagens foram editadas para facilitar a visualização.
Observação importante: É evidente que as senhoras às quais me referi no começo da postagem não são do início do Século XX. Encontrei-as há pouco tempo.
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