quinta-feira, 12 de maio de 2022

Como era a alimentação dos escravos no Distrito Diamantino

As áreas promissoras de extração aurífera eram, no Brasil Colonial, entregues à exploração daqueles que tinham escravos suficientes para ocupar na mineração. Já a extração de diamantes era monopólio da Coroa, mas era feita também por escravos, que eram alugados, de modo que seus senhores recebiam um pagamento pelos dias de trabalho dos cativos que legalmente lhes pertenciam. 
Dito isto, passemos à questão de como eram alimentados os escravos que procuravam diamantes. Como regra, a cada dia havia três refeições: almoço, jantar e ceia, como era costume nos tempos coloniais, tanto para os escravos como para os livres. Portanto, a primeira refeição era chamada almoço, na qual se gastava cerca de meia hora. Foi assim descrita pelo barão de Eschwege (¹):
"Ao almoço, servem, em grandes caldeirões, angu, isto é, uma mistura [...] de fubá, água e sal. Para essa refeição se lhes concede meia hora de descanso. Cada um devora sua ração, sozinha ou acompanhada daquilo que tenha comprado, caçado ou ganho de seu senhor [...]. Assim, um come uma banana ou qualquer outro fruto silvestre, outro um peixe ou uma ave assada em espeto de pau, enquanto um terceiro devora um pedaço de carne-seca, ou, menos feliz, o angu puro." (²)
Ao meio-dia era servido o jantar:
"Para a segunda refeição os escravos dispõem de duas horas de descanso. Assim, a boia deve estar pronta ao meio-dia em ponto. A esta hora, as bolotas de angu já estão empilhadas umas sobre as outras, ao lado do enorme caldeirão, cheio de feijão preto misturado a um caldo grosso e negro [...].
[...]
Como o alimento que recebem é desprovido de gorduras, a maior parte recebe dos donos um pouco de toucinho, destinado a tornar mais substanciosa a magra refeição.
Deve-se reconhecer em alguns deles sentimentos bons, pois os que recebem toucinho dos senhores ou podem comprá-lo, dividem-no com os companheiros menos felizes. Outros porém, sentam-se à distância, colocam sua panela no fogo para frigir a gordura e comem tudo, sem lembrar dos outros." (³)
A ceia, última refeição do dia, era bastante simples:
"Para a ceia recebem canjica, a que os gulosos misturam melado ou rapadura." (⁴)
Façamos, agora, algumas rápidas ponderações:
  • No Brasil, a alimentação oferecida aos escravos tinha as características de cada região. No caso do Distrito Diamantino, não era diferente.
  • A alimentação que os escravos recebiam era destinada a mantê-los trabalhando, nem mais e nem menos. Referindo-se à quantidade destinada a cada trabalhador, Eschwege observou: "[...] O alimento [...] é suficiente, pois dá para encher a barriga de cada um. Nunca varia de qualidade, porém, [...] não agradando ao paladar" (⁵).
  • Não é impossível que outros itens aparecessem eventualmente no cardápio, ainda que Eschwege tenha assegurado que, como regra, a comida era invariável: "Ano após ano, esses homens não recebem dos administradores senão milho, fubá, feijão-preto e um punhado de sal, a que acrescentam, uma vez por semana, um palmo de fumo de rolo para o cachimbo, ou rapé" (⁶).
  • Alguns senhores complementavam a alimentação para os escravos de sua propriedade porque, afinal, queriam preservar seus interesses econômicos. Ninguém precisava de muita esperteza para saber que o escravo que tivesse uma alimentação melhor poderia viver mais e, portanto, seria mais lucrativo a quem pagara por ele.
  • Havia escravos que tinham algum dinheiro para comprar alimento extra porque eram premiados quando encontravam diamantes bons (⁷) ou porque trabalhavam nas horas vagas, plantando alguma coisa que podiam consumir ou vender, a despeito das severas restrições que imperavam no Distrito Diamantino.
Nos domingos e em outros feriados religiosos não se devia exigir trabalho dos escravos. Apesar disso, o barão de Eschwege notou que, nesses dias, havia uma novidade na alimentação: tanto o feijão (do jantar) como a canjica (da ceia) eram cozidos com tutano (⁸). 

(1) Especialista em minas, esteve no Brasil a convite do governo joanino, para estudar o que poderia ser feito para reativar a exploração aurífera.
(2) ESCHWEGE, Wilhelm Ludwig von. Pluto Brasiliensis. Brasília: Senado Federal, 2011, p. 485.
(3) Ibid., p. 486.
(4) Ibid.
(5) Ibid., p. 485.
(6) Ibid.
(7) Segundo Eschwege, o escravo que encontrava um diamante superior a 17,5 quilates era libertado (Op. cit., p. 495). Para diamantes menores que isso, mas bastante valiosos, eram oferecidas pequenas recompensas.
(8) Cf. ESCHWEGE, Wilhelm Ludwig von. Op, cit., p. 486.


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4 comentários:

  1. São bem interessantes os registros que Eschwege realizou sobre alimentação. Em seu relato apresenta a ideia de uma terra farta mesmo sem necessidade de plantação como algo de grande importância para a exploração da região. "Aqui a natureza não deixa o homem morrer de fome, oferecendo-lhe em abundância o necessário à vida". O registro sobre a alimentação dos escravizados parece encaixar na lógica de um mecanismo funcionando bem, enchendo a barriga daqueles que realizam o trabalho físico, mesmo "não agradando ao paladar".

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    1. O barão de Eschwege estava, a seu modo, descobrindo como era o Brasil: em si, um feito notável, porque os próprios habitantes sabiam muito pouco a respeito do país em que viviam. Tinha uma visão parcial dos fatos, mas como poderia ser diferente? Deu uma contribuição valiosa para o entendimento da época, que ainda nos é muito útil.

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  2. Bom dia Martha. Parabéns pelo trabalho excelente e maravilhosa aula de história. No ano passado fui nas grandes produtoras de diamantes de Minas Gerais : Serro e Diamantina. Obrigado pela visita e carinho.

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    1. Olá, Luiz, como está? Suas fotos são sempre ótimas. Obrigada pela visita!

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