Navegadores dos Séculos XV e XVI corriam grandes perigos em suas viagens
Na primeira postagem desta série abordei a questão das incertezas enfrentadas pelos marinheiros dos séculos XV e XVI em suas viagens marítimas. Que dizer, entretanto, das dificuldades quotidianas de quem navegava? No mesmo Diário da Navegação de Pero Lopes de Souza, mencionado em Incríveis Navegadores - Parte I, encontramos, à página 14:
"Sábado 14 do dito mês tomei o sol em três graus e três quartos: este dia todo não ventou; senão choveu muita água, e fazia tão grande calma, que não se podia suportar."
Tente imaginar, leitor, as embarcações a vela, retidas em alto mar pela absoluta falta de vento, estando a marujada inteiramente exposta, ora ao sol, ora às tempestades. Sob o sol, na zona equatorial, o calor do verão podia ser quase intolerável; se chovia, porém, o problema não era menor, como vemos por trechos respectivamente das páginas 22, 23, 29 e 30, em que são descritas tempestades, nas quais a água que lhes molhava o corpo talvez fosse o menor dos inconvenientes:
"Sexta-feira oito dias do mês (¹) [...]. À tarde nos deu uma trovoada de muita água; e entre as naus se fizeram duas mangas (²), de que os marinheiros houveram mui grande medo, por no mar ser coisa mui perigosa."
"Sábado (³) no quarto-d'alva se fez o vento sudoeste; e veio tão súbito e furioso, que quase não deu lugar a amainar as velas; e ventou com tanta força (o qual ainda nesta viagem o não tínhamos assim visto ventar) que as naus sem velas metiam no bordo por debaixo do mar: era tamanha a escuridão e relâmpagos, que era meio-dia e parecia de noite; à tarde se fez o vento sul. Andava o mar tão grosso e tão feio que nos entrava por todas as partes. No quarto da prima ao sair da lua abonançou mais o vento; ficou o mar tão grande que nos não podíamos ter na nau. Da banda de bombordo me arrebentaram os aparelhos, com o jogar da nau."
Amainada a tempestade, ficavam consequências penosas, como equipamento danificado e perda de suprimentos, tão escassos quanto indispensáveis durante as viagens. Sobre isso, veja-se essa breve citação da p. 47:
"A água que choveu me molhou o mantimento todo, que mais não prestou." (⁴)
Sentiam medo os navegadores? Ora, leitor, eram humanos! É verdade que a luta contínua podia, talvez, fazê-los mais destemidos que o comum dos mortais, mas como não ter medo diante da fúria do mar, da possibilidade sempre elevada de doenças letais, da iminência da morte pela fome ou sede excruciantes? Todavia, a despeito de tamanhas dificuldades, esses incríveis navegadores prosseguiam rumo a suas metas, que muitas vezes eram desconhecidas...
Sentiam medo os navegadores? Ora, leitor, eram humanos! É verdade que a luta contínua podia, talvez, fazê-los mais destemidos que o comum dos mortais, mas como não ter medo diante da fúria do mar, da possibilidade sempre elevada de doenças letais, da iminência da morte pela fome ou sede excruciantes? Todavia, a despeito de tamanhas dificuldades, esses incríveis navegadores prosseguiam rumo a suas metas, que muitas vezes eram desconhecidas...
O desconhecido que aterrorizava também compelia a prosseguir, mesmo sabendo que a vitória de um dia podia transformar-se em derrota e morte em ocasião posterior. Não, não exagero: Bartolomeu Dias, o homem que liderou a ultrapassagem do Cabo da Boa Esperança em 1488, naufragou nas mesmas águas traiçoeiras cerca de doze anos depois; Juan Diaz de Solís foi assassinado por nativos no Uruguai, quando buscava uma passagem do Atlântico ao Pacífico; Fernão de Magalhães, que finalmente conseguiu passar por via marítima entre os dois oceanos, morreu em combate em abril de 1521 nas Filipinas; Juan Sebastián Delcano, o sucessor de Magalhães, morreu de escorbuto em 1526, e mesmo Vasco da Gama, que havia liderado a chegada às Índias em 1498, morreu de malária em Goa, no ano de 1524. Vale ainda acrescentar que, a cada embarcação que naufragava com um grande navegador, perdiam-se também muitos marinheiros anônimos, embora não menos audaciosos. Como um tributo à sua determinação e coragem, citamos, para concluir, os fatos referidos por Pero Lopes de Souza em seu diário (páginas 60 e 61):
"Ajuntamo-nos todos em uma pedra; porque o vento saltou ao mar; e crescia muito a água, que a ilha era quase toda coberta; senão um penedo em que todos estávamos, confessando uns aos outros, por nos parecer que era este o derradeiro trabalho. Assim passamos toda esta noite (⁵) em se todos encomendarem a Deus: era tamanho o frio, que os mais dos homens estavam todos entanguidos, e meio mortos. Assim passamos esta noite com tamanha fortuna, quanta homens nunca passaram."
"E não tínhamos que comer, que havia dois dias que a gente não comia; e muitos homens ficaram tão desfigurados do medo, que os não podia conhecer. Toda esta noite nos choveu e ventou com relâmpagos e trovões: que parecia que se fundia o mundo." (⁶)
(2) Trombas-d'água.
(3) Sábado, 23 de abril de 1531.
(4) Domingo, 24 de novembro de 1531.
(5) Terça-feira, 24 de dezembro de 1531.
(6) Quarta-feira, 25 de dezembro de 1531.
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