Ficção histórica ambientada na vida de muitas mulheres casadas com garimpeiros pobres no Brasil Colonial
Segue esfregando com o sabão de cinza, enquanto rumina umas ideias. O que estava, afinal, fazendo ali, tão longe dos parentes e da vila em que crescera?
Não fora por vontade própria. Um dia, sem dar conversa, o marido aparecera na casinha em que moravam, ele, ela, quatro crianças, e mandara arrumar o que podia carregar porque iam para longe. Ele mandava, o que é que ela podia fazer?
Obedeceu, e dias depois, lá iam os seis. Mas eram sete, ela ainda não sabia que mais um ia na barriga, e logo seriam só quatro, que, das crianças, três morreriam de febres do mato. No caminho, os pés ardiam, a trouxa na cabeça fazia doer o pescoço e as costas, os pequenos choramingavam, o marido não dizia palavra, só mexia o nariz e as sobrancelhas para ajeitar o cigarro de palha no canto da boca. Saberia, de fato, para onde os levava?
Chegaram, afinal, a um vilarejo miserável. Largaram no chão a mudança, se é que assim podia ser chamada, à sombra de uma árvore. Ali mesmo, em alguns dias, estava em pé mais um casebre, onde ela tentava acalmar as crianças e esconder as lágrimas. Que ele não visse nada disso. Do que traziam da vila, já quase toda a comida se acabara. O que seria deles?
A gente, ao redor, só pensava em arrancar ouro da terra. Ali havia pouco, era para gente como eles, faiscadores sem eira e nem beira. Com sorte, para comer, aparecia alguma caça. O mais, só miséria. O marido não dera, pela picareta e pela bateia que usava, os poucos vinténs que tiniam no bolso?
Vão-se os meses, vão-se os filhos, ela perde a conta do tempo. Um dia, foi-se o marido, dizendo que andaria mais adiante, que acharia ouro em outro lugar, que voltaria quando estivesse rico. Como sempre, ela não contestara. 1720, 1721? Ela nem tem certeza. Planta uma rocinha de milho ao redor do casebre, uns pés de mandioca, batata-doce. Disso vive ela e vivem outras como ela. Continua a esfregar os trapos que ainda restam. Outro punhado de areia voa na direção das pombas. Se tivesse pólvora, mandaria todas para a panela.
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