quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

Blog História & Outras Histórias completa quinze anos

Amigos leitores, chegamos, afinal, aos quinze anos deste blog. Quando postei o primeiro texto, em 25 de dezembro de 2009, não imaginava que continuaria este projeto por tanto tempo. Mas aconteceu.
Agora, depois de mais de mil e setecentas postagens, a maior parte delas de interesse permanente, surge a questão: Vale a pena continuar?
Tenho pensado muito nisto ao longo de 2024. A ideia, no começo do ano, era encerrar o blog assim que chegasse ao décimo quinto aniversário. Contudo, não sinto que esteja pronta para o ponto final. Por outro lado, os leitores que me conhecem “na vida real”, sabem o quanto está difícil encontrar tempo para escrever novos textos. Assim, ao menos por enquanto, decido continuar, mas sem periodicidade definida. Ou seja, o blog terá novas postagens sempre que for possível.
Agradeço o apoio dos leitores habituais e eventuais, porque não seria muito útil gastar tempo na manutenção de um blog que ninguém lê. Continuem a ler e comentar.
A todos, desejo que este dia de Natal seja muito feliz, e vamos a 2025, para descobrir o que o novo ano nos trará.


segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

Escravos africanos trazidos ao Brasil entre 1842 e 1852

Escravos novos em viagem para o local de trabalho,
 de acordo com M. Rugendas (¹)

Alguns números podem ser muito úteis quando se quer entender o impacto da Lei Eusébio de Queirós para o fim do tráfico de africanos escravizados no Brasil. De acordo com Osório Duque-Estrada (²), que a incluiu em A Abolição, a estatística foi levantada por Pereira Pinto, e mostra quantos africanos entraram no Brasil entre 1842 e 1852. Recordem-se, leitores, de que a Lei Eusébio de Queirós entrou em vigor em 1850:
"1842 ........ 17.435
1843 ........ 19.095
1844 ........ 22.249
1845 ........ 19.453
1846 ........ 50.324
1847 ........ 56.172
1848 ........ 60.000
1849 ........ 54.000
1850 ........ 23.000
1851 ........ 3.287
1852 ........ 700" (³)
A inegável eficácia da Lei Eusébio de Queirós na supressão do tráfico de africanos fica, portanto, devidamente comprovada. Por que funcionou, se já havia legislação anterior proibindo o maldito comércio de seres humanos, sem, contudo, a correspondente obediência? Além de fatores internacionais, que passaram a dificultar o tráfico, é fato que a Lei de 1850 teve a virtude de impor medidas drásticas cerceando o desembarque e punindo os traficantes. O crescimento gradual da pressão interna pela abolição completa e definitiva da escravidão reforçou as medidas legais e ajudou a mover a opinião pública nessa que foi, de longe, a questão social mais debatida no Brasil durante o Século XIX.

(1) Cf. RUGENDAS, Moritz. Voyage Pittoresque dans le Brésil. Paris: Engelmann, 1827. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog. 
(2) 1870 - 1927.
(3) DUQUE-ESTRADA, Osório. A Abolição. Brasília: Ed. Senado Federal, 2005, p. 32.


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sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Traje de mulheres abastadas nos bailes e teatros durante o Primeiro Reinado

Já não era o "tempo do rei". Formalmente independente, o Brasil tinha D. Pedro I como imperador, e ia, aos poucos, mudando os velhos e sisudos costumes dos dias coloniais por outros, que, na moda, sofriam forte influência francesa. É verdade que, nas ruas, ainda eram vistas, eventualmente, mulheres usando as famosas e pesadas mantilhas, cuja finalidade era ocultar todo o corpo, deixando apenas o rosto, ou parte dele, à mostra. Mas entre gente abastada, que frequentava festas luxuosas, bailes e teatros, o trajar feminino tinha outro aspecto. Observador, o mercenário alemão C. Schlichthorst, que esteve na capital do Império entre 1824 e 1826, escreveu:
"No teatro e nos bailes, [as mulheres] aparecem com vestidos [...] cobertos de inúmeras flores e laçarotes de fitas, saiotes de cetim, corpete igual, bordado a ouro ou prata, rico diadema, flores e plumas nos cabelos em agradável combinação. As meias e os sapatos são sempre de seda. Neste ponto, o luxo excede a qualquer expectativa." (¹) 
O traje das damas que frequentavam a corte imperial era semelhante, porém com mais luxo: 
"O traje de corte se assemelha a este (²), leve e transparente como o ar sob um céu abençoado. Um manto de veludo ricamente bordado em ouro e prata, um barrete com flutuantes penas de avestruz e um adorno de brilhante dão-lhe uma dignidade fantástica e imponente. [...]" (³) 
Quem vive no Século XXI pode achar tal moda muito estranha, mais condizente com uma fantasia de carnaval que com roupa de gente séria em ocasiões que requeriam traje de gala. Mudanças viriam, com certeza, e muito frequentemente, ao longo do Século XIX, quando as publicações francesas voltadas ao público feminino passassem a ser aguardadas com ansiedade. A "última moda em Paris" seria anunciada pelos lojistas que vendiam artigos de vestuário para mulheres que tinham recursos de sobra para tanto. 
Contudo, nos dias do Primeiro Reinado, a extravagância estava em pauta, embora, quanto às joias das madames da Corte, Schlichthorst tivesse uma ressalva a fazer: 
"[...] nem tudo que ao esplendor das velas lança raios multicores é diamante verdadeiro, porque em nenhuma parte do mundo nesse país dos diamantes se usam tantas pedras falsas" (⁴).
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Traje de uma família brasileira no governo joanino (⁵)




(1) SCHLICHTHORST, C. O Rio de Janeiro Como É (1824 - 1826), trad. Emmy Dodt e Gustavo Barroso. Brasília: Senado Federal: 2000, p. 92.
(2) Ou seja, o traje na corte era semelhante ao usado nos teatros.
(3) SCHLICHTHORST, C. Op. cit., p. 92.
(4) Ibid. 
(5) Cf. CHAMBERLAIN, Tenente. Vistas e Costumes da Cidade e Arredores do Rio de Janeiro em 1819 - 1820. Rio de Janeiro / São Paulo: Livraria Kosmos Editora, 1943, p. 38.  A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog. 


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quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Venda de frutas na capital do Império

Escravo vendedor (²)
No final do Século XVII, se devemos crer nas palavras de Joaquim Manuel de Macedo, as frutas, verduras e flores eram escassas na cidade do Rio de Janeiro, que ainda não era capital, apenas uma cidade tentando resistir aos frequentes ataques e tentativas de invasão de piratas e corsários: 
"As verduras eram poucas e limitadíssimas em variedades. As frutas estavam no mesmo caso. Flores ninguém vendia nem comprava, davam-se como davam-se e trocavam-se as mudas e sementes das que já se cultivavam; quais eram, além das do país? Não estudei a questão floriantiquária, mas que havia cultivo de flores, juro-o, porque havia senhoras." (¹)
O correr dos anos, o crescimento e fortalecimento da cidade, a vinda temporária da Corte portuguesa ao Brasil, a Independência, trouxeram modificações significativas, tanto que Daniel P. Kidder, missionário metodista americano (³) que esteve no Rio de Janeiro durante o Período Regencial, pôde afirmar:
"[...] as frutas indígenas são muito variadas e saborosas. Além das laranjas, limas, cocos e abacaxis que são bastante conhecidos entre nós, há mangas, bananas, romãs, mamões, goiabas, jambos, araçás, mangabas e muitas outras espécies, cada uma das quais tem sabor e perfume peculiares.
Dispondo-se de tão grande variedade de frutas para atender os caprichos ou as necessidades da vida, por certo ninguém tem de que se queixar. Esses artigos são encontrados em profusão nos mercados e apregoados pelas ruas da cidade e dos subúrbios por escravos e negros libertos que os levam geralmente em balaios na cabeça. [...]" (⁴)
O olhar do estrangeiro que procurava pelas singularidades do país que visitava não deixou escapar o modo como os vendedores ambulantes de frutas atraíam seus fregueses:
"[...] Os vendedores ambulantes passam constantemente pelas ruas apregoando em altas vozes a natureza e a excelência de suas mercadorias ou emitindo algum som indeterminado, apenas para atrair a atenção do público. [...]" (⁵) 
As condições de transporte no Brasil daquela época eram precárias, e frutas, como todo mundo sabe, têm uma vida útil bem curta. Deviam portanto, ser de produção local ou, no máximo, de pouca distância da capital do Império, para que pudessem chegar aos compradores em estado satisfatório para consumo. 

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Vendedor de frutas no Rio de Janeiro, depois do fim da escravidão e da Proclamação da República (⁶) 




(1) MACEDO, Joaquim Manuel de. Memórias da Rua do Ouvidor.
(2) Cf. BIARD, François. Deux Années au Brésil. Paris: Hachette, 1862, p. 110. Desenho de E. Riou, sobre esboços de F. Biard. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog. 
(3) Daniel P. Kidder esteve no Brasil entre 1837 e 1840.
(4) KIDDER, Daniel P. Reminiscências de Viagens e Permanência no Brasil, trad. Moacir N. Vasconcelos. Brasília: Senado Federal, 2001, p. 89.
(5) Ibid.
(6) Cf. VALLENTIN, W. In Brasilien. Berlin: Hermann Paetel, 1909. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog. 


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segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

Fome em Roma quando Nero era imperador

Nero (¹)
Em 52 d.C., quando Cláudio era imperador, houve uma falta terrível de alimentos em Roma. A chegada de trigo vindo do Egito, porém, salvou a cidade. Episódios assim, contudo, não eram raros, porque, cada vez mais, os romanos se descuidavam de seus labores agrícolas e se faziam dependentes das importações de cereais. 
Nova falta de víveres ocorreu nos dias de Nero, que àquela altura, já era odiado até pelas pedras que havia nas ruas, em razão dos desmandos que fazia e por cuidar antes dos espetáculos que do sustento da gente romana. Novamente um navio vindo de Alexandria chegou ao porto, mas... Deixemos que Suetônio conte o incidente:
"Um acontecimento ao acaso contribuiu para aumentar o ódio contra ele [Nero], em momento no qual a população passava fome. Um navio chegou ao porto vindo de Alexandria, mas não trazia trigo, e sim areia para os gladiadores da corte." (²)
A areia era usada para cobrir o sangue de animais e homens que lutavam em espetáculos públicos. Esperava-se trigo, contudo, já que o Egito era o grande celeiro do mundo romano. A amarga decepção, ao ver frustradas as esperanças por pão quando o navio entrou no porto, fez aflorar a ira das massas contra o jovem imperador, mais preocupado com lutas que com o estômago dos famintos romanos, que até gostavam muito de espetáculos, quando estivessem devidamente alimentados.

(1) Cf. HEKLER, Anton. Die Bildniskunst der Griechen und Römer. Stuttgart: Julius Hoffmann, 1912, p. 182. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(2) SUETÔNIO, De vita Caesarum, Livro VI. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias


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sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Como a notícia do descobrimento do Brasil foi recebida em Portugal

Dom Manuel, rei de Portugal (³)
Oficialmente, são conhecidas duas comunicações do descobrimento do Brasil enviadas ao rei de Portugal, D. Manuel, aquele que, não por acaso, foi chamado de "venturoso", embora, ao contrário do que se imagina, nem tudo em seu reinado tenha sido propriamente um sucesso, ou, se preferirem, uma ventura. Mas não é disso que trataremos, agora, amigos leitores. Pergunto: alguém de vocês já teve a curiosidade de saber como a notícia do descobrimento - ou achamento - foi recebida pelo rei?
Embora haja pouca informação a respeito, no primeiro dos Diálogos das Grandezas do Brasil (¹), obra do começo do Século XVII (²), Brandônio explica a Alviano, seu interlocutor, que, de um fidalgo, ouvira informações muito interessantes:
"Esta província do Brasil é conhecida no mundo com o nome de América, que com mais razão houvera de ser pela terra de Santa Cruz, por ser assim chamada primeiramente de Pedro Álvares Cabral, que a descobriu [...], na segunda armada que el-Rei D. Manuel, de gloriosa memória, mandava à Índia, e acaso topou com esta grande terra não vista nem conhecida até então no mundo, e por lhe parecer o descobrimento notável, despediu logo uma caravela ao Reino com as novas do que achara, e sobre isso me disse um fidalgo velho, bem conhecido em Portugal, algumas coisas de muita consideração." (⁴) 
Note-se que Brandônio assumia a tese do descobrimento não intencional, mas isso não tem lá grande importância. Já mordido pela curiosidade, Alviano retruca:
"E que é que vos disse esse fidalgo?" (⁵)
A resposta, expresse ou não a realidade do que ocorreu em Portugal diante da chegada da notícia do descobrimento, revela muito sobre os costumes da época, quando se desejava avaliar uma novidade como favorável ou infausta:
"Dizia-me ele que ouvira dizer a seu pai, como coisa indubitável, de que a nova de tão grande descobrimento foi festejada muito do magnânimo rei e que um astrólogo, que naquele tempo no nosso Portugal havia de muito nome, por esse respeito levantara uma figura, fazendo computação do tempo e hora em que se descobriu esta terra por Pedro Álvares Cabral, e outrossim do tempo e hora em que teve el-Rei aviso de seu descobrimento, e que achara que a terra novamente descoberta havia de ser uma opulenta província, refúgio e abrigo da gente portuguesa [...]." (⁶)
Não quero roubar a graça  das conclusões que vocês, leitores, poderiam já ir tirando, mas é preciso dizer que até hoje há controvérsias quanto ao verdadeiro dia em que a esquadra de Cabral chegou ao Brasil, mesmo havendo relato razoavelmente detalhado na Carta de Caminha. Mas, pondo de lado essa preocupação, considerem a última observação de Brandônio, quanto à suposta "profecia" relativa ao futuro do Brasil, e notem o horror que transparece nas palavras de Alviano:
"Não permita Deus que padeça a nação portuguesa tantos danos que venha o Brasil a ser o seu refúgio e amparo [...]." (⁷) 
Não, senhor Alviano, Portugal não precisou e não precisa de amparo. Mas, quanto a refúgio, certamente o Brasil o foi, ao menos para a realeza que aportou no Rio de Janeiro em 1808, bem como para a multidão de imigrantes que chegou aos portos brasileiros nos Séculos XIX e XX, provenientes não só de Portugal, mas de quase todo canto deste mundo. E continuam eles, os imigrantes, a vir para aqui, de outras terras que não aquelas do passado, porque este planeta, afinal, vive em ebulição, e a gente que nele habita precisa, às vezes, mudar de endereço. 

(1) Autoria atribuída, com razoável probabilidade, a Ambrósio Fernandes Brandão.
(2) Os Diálogos foram escritos, portanto, mais de um século após o descobrimento "oficial" em abril de 1500.
(3) Cf. BRITO, Frei Bernardo. Elogios dos Reis de Portugal com os Mais Verdadeiros Retratos que se Puderam Achar. Lisboa: Pedro Crasbeeck, 1603. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog. 
(4) BRANDÃO, Ambrósio Fernandes. Diálogos das Grandezas do Brasil. Brasília: Edições do Senado Federal, 2010, p. 57.
(5) Ibid., p. 58.
(6) Ibid.
(7) Ibid. 


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quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Cultivo de algodão na Província de São Paulo durante e após a Guerra Civil Americana

Colheita do algodão com mão de obra escrava (¹)

A Guerra de Secessão (²) nos Estados Unidos teve algum impacto na economia brasileira. Estados sulistas dos Estados Unidos, agora em guerra, deixaram de fornecer algodão ao mercado internacional, principalmente à Inglaterra. Em consequência, os preços do produto se elevaram, tornando-se atraentes para fazendeiros do Brasil, onde clima e solo favoráveis ao cultivo de algodão não faltavam. 
Joaquim Floriano de Godoy, senador do Império, explicou:
"A guerra civil dos Estados Unidos suprimiu repentinamente o principal mercado produtor. Os preços elevaram-se a quase 300% e induziram os lavradores paulistas a entregarem-se a esta cultura." (³)
Não se imagine, porém, que esse breve período favorável tornou a agricultura algodoeira do Brasil internacionalmente competitiva. O fenômeno foi apenas circunstancial, já que, finda a guerra, a produção americana foi gradualmente retomada e, em consequência, as exportações brasileiras perderam espaço. Segundo Joaquim Floriano de Godoy, apenas perseveraram em cultivar algodão aqueles fazendeiros cujas terras não se mostravam propícias à agricultura cafeeira. Um detalhe interessante, porém, ainda de acordo com o mesmo autor, é que onde se plantava algodão, a mão de obra era, quase sempre, livre, e não cativa, como ocorria na maioria das fazendas de café:
"A maior parte do pessoal empregado nesta cultura [do algodão] é livre, porque ela exige muito menor soma de capitais e o resultado é liquidável no espaço de um ano." (⁴) 
Não obstante, o café continuou a preponderar, até que, já no Século XX, a crise de superprodução, aliada ao cenário econômico internacional absolutamente desfavorável, forçou uma mudança, com todas as consequências políticas e econômicas tão bem conhecidas.

(1) Cf. SELLIN, Alfred Wilhelm. Das Kaiserreich Brasilien. Leipzig: Frentag, 1885, p186. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog. 
(2) 1861 - 1865.
(3) GODOY, Joaquim Floriano de. A Província de S. Paulo. Rio de Janeiro: Typ. do Diário do Rio de Janeiro, 1875, p. 127.
(4) Ibid. 


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segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Sobre a harmonia na música e a paz em uma cidade

Marco Túlio Cícero (³)
É possível manter paz e harmonia entre cidadãos de um determinado lugar, a despeito da diversidade de opiniões e das divergências de interesses? Marco Túlio Cícero (¹), político e orador famoso em Roma no século I a.C., achava que sim, era possível, desde que uma condição fosse alcançada:
"Aquilo que no canto os músicos chamam harmonia é, na cidade, a concórdia [entre os cidadãos], vínculo máximo nas questões públicas, mas impossível de ser mantido sem justiça." (²)
Por "cidade", Cícero entendia, provavelmente, a cidade-Estado, ou, ao menos, uma cidade com bastante autonomia, que, como quase toda unidade política, seria formada por camadas sociais desiguais. Assim, se admitida a comparação da harmonia na sociedade à harmonia entre cantores, provavelmente deveríamos esperar que o político fosse alguém capaz de reger o Estado como um regente de coro, extraindo concórdia, por meio da justiça, mesmo na desigualdade. Que tal a ideia de Cícero? 

(1) 106 a.C. - 43 a.C. 
(2) CÍCERO, Marco Túlio. De re publica, c; 51 a.C. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias
(3) Cf. HEKLER, Anton. Die Bildniskunst der Griechen und Römer. Stuttgart: Julius Hoffmann, 1912, p. 161. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.


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sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Manaus antes da borracha

Casa do presidente da Província em Manaus,
 antes do surto de extração e exportação do látex (¹)

Durante os anos em que a exploração e exportação da borracha fez de Manaus um centro importante no norte do Brasil, a cidade cresceu, tanto economicamente como em população, e ganhou prédios que até hoje são admirados. Mas como era Manaus antes da borracha?
Uma breve descrição, presente nos registros feitos pelo casal Agassiz, que visitou o Brasil entre os anos 1865 e 1866, dará uma resposta simples, se quem lê tiver um pouco de imaginação:
"Que poderei dizer da cidade de Manaus? É uma pequena reunião de casas, a metade das quais parece prestes a cair em ruínas, e não se pode deixar de sorrir ao ver os castelos oscilantes decorados com o nome de edifícios públicos: Tesouraria, Câmara Legislativa, Correios, Alfândega, Presidência. Entretanto, a situação da cidade, na junção do rio Negro, do Amazonas e do Solimões, foi das mais felizes na escolha. Insignificante hoje, Manaus se tornará, sem dúvida, um grande centro de comércio e navegação. [...]" (²)
Não era mesmo para impressionar ninguém, como muitas outras povoações ribeirinhas contemporâneas, com sua vidinha sossegada, até sonolenta. Mas aí veio a febre da borracha, e tudo mudou. Mesmo com o declínio extrativista do látex, Manaus nunca mais seria a mesma. 

(1) Cf. BIARD, François. Deux Années au Brésil. Paris: Hachette, 1862, p. 415. Desenho de E. Riou, sobre esboços de F. Biard. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog. 
(2) AGASSIZ, Jean Louis R. e AGASSIZ. Elizabeth Cary. Viagem ao Brasil 1865 - 1866, trad. Edgar Süssekind de Mendonça. Brasília: Senado Federal, 2000, p. 196.


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quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Impacto das catástrofes naturais na Antiguidade

Algumas catástrofes naturais são previsíveis, enquanto outras, ainda não. É possível, atualmente, prever quando um furacão está a caminho, de modo que a população pode ser deslocada a tempo de que, pelo menos, não se percam muitas vidas humanas. Mas não existe, ainda, uma previsão confiável e exata de quando e onde um terremoto ocorrerá. 
A maioria dos países tem, em nossos dias, algum tipo de estrutura devidamente estabelecida para uma resposta rápida em caso de ocorrência de uma catástrofe natural. Há pessoal treinado para o resgate de feridos, para assistência médica e para a pronta reconstrução de prédios e vias públicas, se necessário. Mas não era assim na Antiguidade.
Catástrofes naturais eram, quase sempre, atribuídas pelos antigos à fúria dos deuses, fosse por se desagradarem com a conduta humana ou simplesmente porque, poderosos, extravasavam a raiva e irritação, com motivo ou sem ele, sobre os pobres mortais. O certo é que o estágio tecnológico em que se encontravam os diferentes povos da Antiguidade inviabilizava uma resposta imediata às catástrofes, com o agravante de que, como as notícias se deslocavam tão lentamente como lentos eram os transportes, dificilmente se poderia esperar ajuda que viesse de áreas não atingidas.
Em consequência, uma grande catástrofe podia, até, conduzir à destruição de um povo ou à desintegração de uma cultura. Para comprovação desse fato basta considerar o que aconteceu com a civilização minoica em Creta, ou com a ilha de Tera pela erupção do vulcão Santorini.


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segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Prudente de Morais

Prudente José de Morais Barros, ou simplesmente Prudente de Morais, se for preferida a forma abreviada como ficou conhecido, foi presidente do Brasil entre 1894 e 1898. Terceiro a ocupar esse posto, foi, contudo, o primeiro civil, já que seus antecessores, Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, eram militares. 
Outro detalhe interessante sobre Prudente de Morais é que foi o primeiro presidente eleito por voto direto, malgrado as condições em que se faziam as eleições na época. Sobre sua eleição, especificamente, Machado de Assis escreveu na edição de 10 de novembro de 1894 do jornal carioca Gazeta de Notícias:
"As urnas deram cerca de trezentos mil votos ao Sr. Dr. Prudente de Morais, muitas centenas a alguns nomes de significação republicana ou monárquica, algumas dezenas a outros, seguindo-se uma multidão de nomes sabidos ou pouco sabidos, que apenas puderam contar um voto." (*)
Não estranhem leitores, o reduzido número de votos que coube ao presidente eleito: o voto deixara de ser censitário, como no Império, mas ainda era preciso ser alfabetizado e comprovar residência fixa para ser eleitor. Apenas os homens votavam, e isso reduzia drasticamente o número de brasileiros habilitados a expressar sua vontade em dia de eleição, embora essa expressão, por si mesma, já estivesse demasiadamente comprometida pelo modo como as eleições se realizavam. Para que se fizessem eleições verdadeiramente democráticas, não bastava, como se sabe, estabelecer decretos ou cantar, a plenos pulmões, o hino da República: "Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós..."
Prudente de Morais, nascido em Itu - SP em 1841, faleceu no dia 3 de dezembro de 1902 em Piracicaba - SP, onde foi sepultado. As fotos abaixo mostram o túmulo erguido em sua homenagem. 




(*) GAZETA DE NOTÍCIAS, A Semana, 18 de novembro de 1894.


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