sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Como a notícia do descobrimento do Brasil foi recebida em Portugal

Dom Manuel, rei de Portugal (³)
Oficialmente, são conhecidas duas comunicações do descobrimento do Brasil enviadas ao rei de Portugal, D. Manuel, aquele que, não por acaso, foi chamado de "venturoso", embora, ao contrário do que se imagina, nem tudo em seu reinado tenha sido propriamente um sucesso, ou, se preferirem, uma ventura. Mas não é disso que trataremos, agora, amigos leitores. Pergunto: alguém de vocês já teve a curiosidade de saber como a notícia do descobrimento - ou achamento - foi recebida pelo rei?
Embora haja pouca informação a respeito, no primeiro dos Diálogos das Grandezas do Brasil (¹), obra do começo do Século XVII (²), Brandônio explica a Alviano, seu interlocutor, que, de um fidalgo, ouvira informações muito interessantes:
"Esta província do Brasil é conhecida no mundo com o nome de América, que com mais razão houvera de ser pela terra de Santa Cruz, por ser assim chamada primeiramente de Pedro Álvares Cabral, que a descobriu [...], na segunda armada que el-Rei D. Manuel, de gloriosa memória, mandava à Índia, e acaso topou com esta grande terra não vista nem conhecida até então no mundo, e por lhe parecer o descobrimento notável, despediu logo uma caravela ao Reino com as novas do que achara, e sobre isso me disse um fidalgo velho, bem conhecido em Portugal, algumas coisas de muita consideração." (⁴) 
Note-se que Brandônio assumia a tese do descobrimento não intencional, mas isso não tem lá grande importância. Já mordido pela curiosidade, Alviano retruca:
"E que é que vos disse esse fidalgo?" (⁵)
A resposta, expresse ou não a realidade do que ocorreu em Portugal diante da chegada da notícia do descobrimento, revela muito sobre os costumes da época, quando se desejava avaliar uma novidade como favorável ou infausta:
"Dizia-me ele que ouvira dizer a seu pai, como coisa indubitável, de que a nova de tão grande descobrimento foi festejada muito do magnânimo rei e que um astrólogo, que naquele tempo no nosso Portugal havia de muito nome, por esse respeito levantara uma figura, fazendo computação do tempo e hora em que se descobriu esta terra por Pedro Álvares Cabral, e outrossim do tempo e hora em que teve el-Rei aviso de seu descobrimento, e que achara que a terra novamente descoberta havia de ser uma opulenta província, refúgio e abrigo da gente portuguesa [...]." (⁶)
Não quero roubar a graça  das conclusões que vocês, leitores, poderiam já ir tirando, mas é preciso dizer que até hoje há controvérsias quanto ao verdadeiro dia em que a esquadra de Cabral chegou ao Brasil, mesmo havendo relato razoavelmente detalhado na Carta de Caminha. Mas, pondo de lado essa preocupação, considerem a última observação de Brandônio, quanto à suposta "profecia" relativa ao futuro do Brasil, e notem o horror que transparece nas palavras de Alviano:
"Não permita Deus que padeça a nação portuguesa tantos danos que venha o Brasil a ser o seu refúgio e amparo [...]." (⁷) 
Não, senhor Alviano, Portugal não precisou e não precisa de amparo. Mas, quanto a refúgio, certamente o Brasil o foi, ao menos para a realeza que aportou no Rio de Janeiro em 1808, bem como para a multidão de imigrantes que chegou aos portos brasileiros nos Séculos XIX e XX, provenientes não só de Portugal, mas de quase todo canto deste mundo. E continuam eles, os imigrantes, a vir para aqui, de outras terras que não aquelas do passado, porque este planeta, afinal, vive em ebulição, e a gente que nele habita precisa, às vezes, mudar de endereço. 

(1) Autoria atribuída, com razoável probabilidade, a Ambrósio Fernandes Brandão.
(2) Os Diálogos foram escritos, portanto, mais de um século após o descobrimento "oficial" em abril de 1500.
(3) Cf. BRITO, Frei Bernardo. Elogios dos Reis de Portugal com os Mais Verdadeiros Retratos que se Puderam Achar. Lisboa: Pedro Crasbeeck, 1603. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog. 
(4) BRANDÃO, Ambrósio Fernandes. Diálogos das Grandezas do Brasil. Brasília: Edições do Senado Federal, 2010, p. 57.
(5) Ibid., p. 58.
(6) Ibid.
(7) Ibid. 


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