terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Fazendas que produziam todo o tecido de algodão que utilizavam

Plantação de algodão no Estado da Bahia, Século XXI (fotografia infravermelha)

Venham comigo leitores, vamos dar uma olhada no que acontecia em fazendas do Século XIX quando o assunto era a fabricação de tecidos de algodão.
Indígenas do Brasil - tupinambás, por exemplo - eram hábeis na arte de fazer objetos de algodão, não para vestuário, que isso não usavam, mas para a confecção de redes de dormir, de acordo com o que assegurou Hans Staden, alemão que esteve no Brasil no Século XVI. Posteriormente, o cultivo do algodão em maior escala serviu para a produção de tecidos rústicos, empregados na confecção do vestuário dos escravos. Foi assim nos tempos coloniais, e continuou a ser Século XIX afora, ainda que, nessa época, já houvesse tecelagens capazes de fornecer o tecido pronto, em grande quantidade, para quem desejasse comprar. Mas, como veremos, era costume, em fazendas no interior do Brasil, que tecidos de algodão se fizessem em casa mesmo.
Referindo-se ao cultivo de algodão, o segundo barão de Paty do Alferes, Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, fala, em obra escrita na primeira metade do Século XIX, "da sua utilidade incomparável, seja como gênero de exportação ou de consumo doméstico, pois que no interior de uma fazenda pode-se fabricar toda a roupa de cama, de mesa, e mesmo camisas e calças, ao menos para os escravos [...]" (¹). Refere, a seguir, o que observou em propriedades agrícolas interioranas, para onde seria difícil, talvez, conduzir a produção industrializada da capital do Império ou de outras cidades: "[...] Temos visto nos sertões várias famílias que fiavam e teciam em casa todo o pano de uso doméstico, redes, cobertores, toalhas, lençóis, pano chamado de Minas para sacos, capas e vestidos dos negros; tudo se fabricava pelas pretas (²) sob as vistas das senhoras, que se não desdenhavam de pôr elas mesmas mãos à obra. [...]" (³)
A necessidade, gerada pela distância de centros urbanos importantes, impunha não só o cultivo do algodão, mas a confecção das peças indispensáveis ao consumo local. Detalhe que não pode ser ignorado: a convivência entre senhoras e escravas, aproximadas pelo trabalho, talvez contribuísse para uma tênue diluição das diferenças sociais, de modo análogo ao que viajantes estrangeiros que visitaram o Brasil no Século XIX já haviam observado ao presenciarem serviços religiosos nas capelas das fazendas, com senhoras e suas escravas rezando, lado a lado, esquecidas, momentaneamente, do abismo que as separava.

(1) WERNECK, Francisco Peixoto de Lacerda. Memória Sobre a Fundação e Custeio de uma Fazenda na Província do Rio de Janeiro 2ª ed. Rio de Janeiro: Laemmert, 1863, pp. 226 e 227.
(2) Era assim que Lacerda Werneck se referia às escravas.
(3) WERNECK, Francisco Peixoto de Lacerda. Op. cit., p. 227.


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2 comentários:

  1. Em prol da auto-suficiência, um conceito que me é simpático.
    Grato pela preciosa informação, Marta.

    Uma boa semana :)

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    1. Também gosto da ideia, mas acho difícil praticar no mundo de hoje.

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