quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

"Meu filho não gosta de estudar História. O que faço?"

Aos leitores de História & Outras Histórias:
A postagem de hoje foge um pouco ao padrão deste blog, tanto no tema quanto na extensão. É dirigida a um público específico, constituído por pais e mães aflitos com o desempenho escolar dos filhos. Para atendê-los, reuni considerações que já apresentei em palestras para pais e professores em escolas, assim como algumas observações inéditas. Por suposto, haveria muito mais a dizer, mas me ative ao essencial: não seria razoável tratar de casos específicos aqui. Uma recomendação aos leitores: NÃO LEIAM se não tiverem senso de humor.

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"Meu filho detesta estudar História. O que devo fazer?" Quando alguém me diz algo assim, logo suspeito que, no mínimo, o problema deve ter começado na geração precedente. Mas, falando sério: é ótimo que as preferências variem. É assim que existe gente pesquisando e ensinando nos mais diversos ramos do conhecimento. Quem foi que disse que todos os estudantes precisam gostar de todas as disciplinas? Os gostos são tão variados quanto diferentes são as pessoas. Não há nada de mau nisso.
No entanto, se você ainda não enfrenta este problema, evite ser teatral e falar com desgosto sobre as frustrações nas aulas de História de seus dias de estudante. Seu filho não precisa desse tipo de inspiração. Por outro lado, se você tem boas recordações, não deixe de dizer a ele, mas sem se impor como modelo absoluto. Seu filho é um ser humano único e, mesmo tendo em você um bom exemplo, terá que desenvolver seu próprio modo de ver o mundo e de lidar com as situações da vida, se quiser ser um adulto feliz. Administrar algum desconforto no quotidiano escolar é parte desse processo.
Agora, supondo que o problema já tenha se instalado, faço algumas sugestões, que dividi em dois campos: as de caráter geral, que valem para qualquer disciplina escolar, e as específicas, relacionadas ao estudo de História. Lembre-se de adaptar as ideias à idade de seu filho. Sugestões úteis para filhos adolescentes nem sempre servem para quem tem crianças cursando os primeiros anos do ensino fundamental.

Considerações gerais


1. Não acredite em soluções mágicas. Educação é obra de longo prazo.

2. Paciência e perseverança (são coisas diferentes), deverão fazer parte de toda a trajetória escolar de uma pessoa. Demonstre essas virtudes e incentive seu filho a fazer o mesmo. Jamais se esqueça de que, por mais estranho que pareça, o erro é parte do processo de aprendizagem. 

3. Procure manter um bom relacionamento com os professores de seu filho (todos, não só os de História), e com a administração da escola. Lembre-se, porém, de que a escola foi escolhida por você, e é preciso confiar no trabalho docente. Cooperar com a educação escolar é diferente de interferir a todo o tempo. Resista à tentação de ser um "pai helicóptero", "sobrevoando" tudo o que se faz na escola. Professores são profissionais treinados para ministrar instrução escolar. Confie neles e eles confiarão em você, para estabelecer contato quando for necessário.

4. Apoie práticas de sala de aula e tarefas extraclasse que incentivem a construção de um vigoroso pensamento independente, em lugar de meras repetições.

5. Jovens estudantes devem ser apoiados na busca por formas criativas de lidar com as informações. Os velhos questionários que dispensam o raciocínio e favorecem a "decoreba" devem ser definitivamente proscritos. Auto da fé neles! (se você não sabe o que era um auto da fé, também precisa estudar História).

6. Não imagine que é preciso elogiar seu filho o tempo todo. Ele sabe quando o elogio é merecido e quando não passa de manifestação de ansiedade paterna. Dizer a verdade sobre seu desempenho escolar é importante para implantar nele um senso de realidade. Estudar e fazer as tarefas são obrigações, e não mérito. Por outro lado, jamais deixe de elogiar quando ele se esforça e dá o melhor de si, ainda que as notas não sejam tão altas quanto você gostaria. Aprender para a vida é mais importante que ter um boletim perfeito.

7. Compartilhe princípios e valores com seu filho. Seja explícito quanto às suas expectativas. Pode acreditar: isso não irá magoá-lo, só lhe dará segurança. Se necessário, deixe esse aspecto bem claro para a direção e corpo docente da escoa que você escolheu ou vier a escolher.

8. Não tenha receio de compartilhar com o professor o desgosto que seu filho tem pelas aulas. Seria um absurdo esperar que todo o planejamento escolar sofra alteração por causa das preferências de um único aluno, mas sempre é possível mesclar atividades mais leves, e até divertidas, em meio ao trabalho denso. Não obstante, é fundamental verificar, antes da matrícula, a linha pedagógica seguida pela escola. Deixar isso para mais tarde pode resultar em conflitos que são perfeitamente evitáveis, se a escola for escolhida com base nas expectativas dos pais. Seja realista: aulas continuamente leves, engraçadas, lúdicas, sem nenhuma ênfase no conteúdo programático, não conduzem a resultados sólidos. Você não quereria uma coisa dessas.

9. Professores são seres humanos. Se alguma coisa efetivamente não lhe agradar, é seu direito e obrigação expressar as preocupações, mas faça isso com toda a cortesia, principalmente se seu filho estiver por perto. Você dará a ele uma lição de civilidade que não tem preço.

Sobre História, especificamente


1. Verifique se a ojeriza é apenas com História, se abarca o conjunto das disciplinas, ou pelo menos algumas delas. Se o problema for mesmo com História, mantenha a calma e conserve uma atitude positiva em relação à "matéria detestável". Evite críticas à escola e ao professor diante de seu filho. Desvalorizar quem ensina não irá ajudar seu jovem estudante a ganhar interesse pela matéria. 

2. Se você tem filhos pequenos, saiba que há livros excelentes sobre História até para pré-escolares. Procure adquirir alguns, com boas ilustrações, de leitura fácil e de material resistente. Não deixe a leitura por conta de seu filho: leia com ele, comente e valorize o conhecimento assim obtido. Tente fazer isso antes que ele comece a ter aulas especificamente de História - trata-se de uma ação preventiva. Alunos mais velhos também devem receber livros adequados à idade como um presente. Diga a seu filho que você viu o livro ao passar por uma livraria, gostou e trouxe para ele. Evite obrigá-lo a ler, mas faça perguntas e favoreça o interesse. 

3. Se seu filho já tiver idade suficiente, incentive-o a ir além daquilo que aprendeu na escola, buscando mais informações em livros e na Internet, por exemplo. Talvez você possa apresentá-lo ao blog História & Outras Histórias... Isto vale especialmente para adolescentes e jovens adultos. 

4. Que tal, de vez em quando, assistir a um filme histórico em companhia de seu filho? Faça disso um tempo agradável em família. Não se esqueça, porém, de ver o filme antes ou de obter informações, para saber se é adequado à idade dele. Seja prudente!

5. Comente notícias (nacionais e internacionais) em casa. Isto não é perda de tempo. Faça perguntas, para incluir seu filho na conversa, com a maior naturalidade possível. Deixe a censura de lado e anime-o a falar livremente, manifestando opiniões próprias. Essa prática irá ajudá-lo a perceber que aquilo que estuda na escola é útil para entender o mundo em que vive.

6. Quando era criança, precisei, durante algum tempo, tomar um medicamento de sabor abominável. Obviamente, eu detestava. O que vocês acham que meus pais fizeram? Teriam eles dito: "Coitadinha, vamos deixá-la em paz, ela não gosta do remédio, tem todo o direito..."? Nada disso! A despeito da pequena guerra doméstica resultante, a gosma nojenta foi escrupulosamente ministrada três vezes ao dia, pelo prazo especificado pelo pediatra. Graças a isso, a doença foi superada e cresci saudável (talvez até demais). 
Contei essa parábola da vida real para lhe dizer que é preciso aceitar o fato de que em qualquer matéria há conceitos difíceis, que devem ser trabalhados com persistência, e cujo aprendizado, a despeito de necessário, pode ser maçante, e até desagradável. Se seu filho vier com a pergunta: "Para que eu tenho que estudar isso?", explique que é assim que ele conhecerá suas origens, as do país em que vive, as da própria humanidade, e que o estudo irá ajudá-lo a ser um cidadão consciente e capaz de pensar por si mesmo. Chegará a apreciar mais intensamente as várias manifestações culturais (artes plásticas, filmes, música etc.) entendendo o que, de fato, significam. Ao estudar História é possível tomar contato com valores de outras culturas e aprender a respeitá-las. Chega-se a perceber que, no passado, não houve somente acertos, mas também muitos erros, cuja repetição deve ser evitada a todo custo. Percebe-se que a democracia é uma conquista valiosa demais para ser tratada com indiferença. 
Seja firme: no futuro seu filho irá lhe agradecer por isso.


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Por hoje, é só. Um dia desses escreverei especificamente para professores de História, com mais algumas sugestões e ideias. 

2 comentários:

  1. Não lhe conhecia essas preocupações pedagógicas, Marta. Gostei.
    Ah, e venham de lá esses escritos para professores de História. Fiquei curioso. :)

    Tenha um excelente final de semana :)

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    Respostas
    1. Haha, as salas de aula ainda são o espaço mais importante para a divulgação da História (pelo menos no Brasil). Só lamento que nem sempre esse espaço privilegiado receba a atenção que merece.

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