quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

A pira funerária de Júlio César

Os antigos romanos eram afeiçoados a tradições, mas, quando reconheciam a utilidade de um novo procedimento, aceitavam mudanças. Querem um exemplo, leitores? Vejam o que disse Plínio, o Velho (¹):  "Entre os romanos a cremação não é uma instituição antiga, o [velho] costume era enterrar." (²) Neste caso, a cremação foi adotada para evitar que os corpos dos soldados que morressem em combate fossem desenterrados por inimigos e profanados. Na antiga religião romana o culto aos mortos, principalmente no contexto das famílias patrícias, tinha papel fundamental. 
Compreende-se, portanto, que a cremação tenha sido o procedimento escolhido quanto ao corpo de Júlio César, assassinado em 15 de março de 44 a.C. Contudo, os rituais funerários foram bastante tumultuados. No cenário político de Roma naquele momento não havia espaço para nada diferente. 
A pira funerária foi erguida no Campo de Marte, conforme disse Suetônio (³) em De vita Caesarum. O cenário, em extremo suntuoso, incluiu um leito de marfim, adornado de ouro e púrpura, para o cadáver do ditador vitalício. É evidente que os partidários de César pensaram em cada detalhe para impressionar as (volúveis) massas, porque até mesmo as roupas que o ditador usava no momento em tombara apunhalado foram colocadas à cabeceira. Óbvio, deviam estar completamente manchadas pelo sangue do morto. 
O cerimonial prosseguiu com pompa, inclusive com a realização de jogos (parece que em Roma todas as ocasiões eram pretexto para esses espetáculos). O leito fúnebre foi, então, conduzido ao foro, onde a multidão, liderada por dois indivíduos armados com espada, ateou fogo ao cadáver, juntando galhos e até mesmo as roupas usadas por alguns dos circunstantes. Soldados romanos que haviam lutado sob as ordens de César entregavam suas armas às labaredas, flautistas, segundo a tradição, tocavam melodias tristes e, no dizer de Suetônio, até mesmo estrangeiros lamentavam o falecido, cujo corpo era, diante de seus olhos, consumido pelas chamas. 
A encenação não tardou a produzir resultado. A multidão, em fúria, voltou-se contra os envolvidos na conspiração que, contrária à ditadura perpétua que fazia perigar a República, entendera resolver o problema eliminando o ditador. 

(1) 23 d.C.  79 d.C.
(2) Naturalis historia, Livro VII. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(3) 69 - 141 d.C.


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