O Código Criminal datado de 16 de dezembro de 1830, que vigorou no Brasil durante o Império, admitia a pena de morte para alguns (poucos) delitos (¹). Foi assim até bem adiantado o Século XIX, mas, já pelos anos setenta, D. Pedro II, fazendo uso do Poder Moderador, passou a comutar em prisão perpétua as sentenças capitais. É que nesse tempo, existindo forte movimento internacional em favor da abolição da pena de morte, o imperador agia, ao menos nesse aspecto, para que o País não ostentasse uma imagem de atraso.
A sentença de morte cabia, por exemplo, de acordo com o Código Criminal do Império, no caso de crimes de homicídio ocorridos sob circunstâncias que a legislação definia como agravantes. Era assim para os homens livres, já que, em se tratando de escravos, havia legislação complementar, implantada em 10 de junho de 1835 (²). De acordo com o Artigo 65 do Código, em qualquer caso as penas eram imprescritíveis.
A aplicação da pena de morte, sempre por enforcamento (Artigo 38), obedecia a um ritual fixado nos Artigos 39, 40 e 41:
"Art. 39 - Esta pena, depois que se tiver tornado irrevogável a sentença, será executada no dia seguinte ao da intimação, a qual nunca se fará na véspera de domingo, dia santo ou de festa nacional.
Art. 40 - O réu, com o seu vestido ordinário, e preso, será conduzido pelas ruas mais públicas até a forca, acompanhado do juiz criminal do lugar onde estiver, com o seu escrivão, e da força militar que se requisitar.
Ao acompanhamento precederá o porteiro, lendo em voz alta a sentença que se for executar.
Art. 41 - O juiz criminal que acompanhar, presidirá à execução até que se ultime, e o seu escrivão passará certidão de todo este ato, a qual se ajuntará ao processo respectivo."
Embora não mencionada explicitamente, era admitida assistência religiosa ao sentenciado, desde que solicitada ou consentida por ele.
Embora não mencionada explicitamente, era admitida assistência religiosa ao sentenciado, desde que solicitada ou consentida por ele.
Pelo menos dois fatos interessantes podem ser notados no rito: o primeiro era que à execução devia ser dada toda a publicidade, com o fim de intimidar os potenciais candidatos a criminosos; o outro aspecto é que em tudo devia ser ostentado o mais estrito cumprimento das leis, um elemento muito importante quando se deseja evitar contestações, venham elas de onde vierem.
Morto o sentenciado, o Código Criminal, em seu Artigo 42, estabelecia em que condições o corpo poderia ser sepultado:
"Os corpos dos enforcados serão entregues a seus parentes ou amigos, se os pedirem aos juízes que presidirem a execução, mas não poderão enterrá-los com pompa, sob pena de prisão por um mês a um ano."
Em 1829, quando, apesar da Independência, na falta de leis nacionais eram ainda seguidas as Ordenações do Reino, Filipe Patroni, em uma viagem, encontrou exposta a cabeça de um indivíduo que fora executado, e fez do episódio esta descrição:
"Seguíamos para Itacambira, quando encaramos um espetáculo horroroso: era a cabeça de um cruel assassino, que expiara com o último suplício três mortes feitas em um momento, numa só casa, numa só família [...]. Foi preso com facilidade, e sendo conduzido à capital da Província (³), aí sofreu a pena de talião, posto que só uma vez morresse, tendo feito, aliás, perder três vidas; seria melhor que ainda hoje vivesse trabalhando para pagar os danos que causou seu crime." (⁴)
Já sei em que alguns dos leitores estarão pensando: Haveria, neste caso, algum trabalho que pagasse o dano? A questão fica, é claro, sem resposta. O Código Criminal do Império adotou, porém, o princípio de que, tanto quanto possível, o criminoso deveria, trabalhando, dar uma satisfação à sociedade que, com sua conduta, agredira, de modo que, para a grande maioria dos crimes graves, era prevista a pena de galés perpétuas ou por tempo determinado (⁵), ficando a sentença de morte reservada a casos extremos, segundo interpretavam os legisladores da época.
(1) Antes dele, recorria-se, mesmo após a Independência, às prescrições das Ordenações do Reino, em que a pena capital era muito mais comum.
(2) A aplicação da pena de morte especificamente em caso de guerra era regida pela lei de 18 de setembro de 1851.
(3) Minas Gerais.
(4) PARENTE, Filipe Alberto Patroni Martins Maciel. A Viagem de Patroni Pelas Províncias Brasileiras 2ª ed. Lisboa: Typ. Lisbonense, 1851, pp. 23 e 24.
(5) Em que o sentenciado, preso com correntes, executava os trabalhos que lhe eram determinados.
Veja também:
Isso me fez lembrar da história do Bairro da Liberdade, no Centro de São Paulo, que era um local destinado às penas capitais e onde ficava o cemitério para os condenados. Hoje é um bairro comum, mas há muita história debaixo daquele asfalto.
ResponderExcluirHá, com toda certeza. As execuções eram repletas de elementos lúgubres, feitos para impressionar. Quem passava pelo local da forca (em S. Paulo ou em qualquer outro lugar) devia logo perceber que não estava em um cenário muito agradável. Além disso, havia muita superstição associada a enforcamentos, e a população pouco instruída sempre acreditava...
ExcluirImagino que os familiares de um enforcado não teriam grande vontade de fazer um funeral luxuoso. Achei interessante que o legislador sentisse a necessidade de regulamentar até esse pormenor.
ResponderExcluirA Marta é a favor ou contra a pena capital?
Abraço
Ruthia d'O Berço do Mundo
O regulamento quanto ao funeral era para evitar um eventual uso político da ocasião, ou mesmo o início de um motim.
ExcluirSou radicalmente contra a pena de morte, porque aquilo que em um momento se usa para punir crimes comuns, pode muito bem, em outro, ser ferramenta para restringir as liberdades civis. Há exemplos de sobra em quase todo o mundo e, portanto, não é coisa com que se deva brincar. Além disso, supondo que um inocente seja executado, como corrigir o erro?