sexta-feira, 22 de julho de 2016

Como os monçoeiros do Século XVIII caçavam veados

As monções cuiabanas eram expedições fluviais, principalmente do Século XIX, que iam ao interior do Brasil à procura de ouro. Quando saíam de Araraitaguaba (Porto Feliz - SP) e iniciavam o percurso do rio Tietê, levavam consigo uma boa quantidade de suprimentos. Mas a viagem era longa e trabalhosa, e não poucas vezes acontecia que uma canoa virava, e lá se ia, literalmente por água abaixo, a comida que deveria servir para muitos dias. Diante disso, era importante encontrar alternativas para alimentação, através da caça e da pesca. 
Francisco José de Lacerda e Almeida, astrônomo de Sua Majestade (¹), fez a rota de retorno das monções entre 1788 e 1789. Nessa viagem, teve ocasião de encontrar expedicionários que subiam, observando, a respeito deles:
"[...] Aqueles que sobem por estas águas, como vêm como mais vagar, não só porque são muitas as canoas que se ajuntam para reciprocamente se ajudarem, como porque também gastam muito tempo nas cachoeiras, têm muito tempo para fazerem numerosas e continuadas caçadas, com tanta abundância como facilidade, tanto de perdizes como de veados." (²)
Cervo-do-pantanal
Para o estômago dos monçoeiros, era a hora da desforra - não escasseiam os relatos de monções cujos expedicionários chegaram quase a morrer de fome. Curiosa, porém, é a observação de Lacerda e Almeida sobre o modo usado pelos astutos sertanistas quando queriam caçar veados:
"Encaminham-se os caçadores para as manadas de veados contra o vento, levando na cabeça algum barrete ou pano vermelho; algumas vezes param e levantam um braço, e outras agacham-se; os veados, que não estão acostumados a ver estes fantasmas, chegam-se a eles para os reconhecer, e ficam sendo vítimas de sua curiosidade." (³)
Deixem a sensibilidade de lado, leitores, e enfrentem os fatos: no Século XVIII havia pouquíssima gente neste mundo disposta ao vegetarianismo para salvar os animais, os monçoeiros esfomeados tinham, como máxima preocupação, encontrar comida e não havia quase ninguém que se mostrasse alarmado com a sobrevivência da fauna nativa. Se os exploradores do sertão não vacilavam em comer lagartos e macacos, não seriam as perdizes e os veados que seriam poupados. O que chama a atenção, assumindo a veracidade do relato de Lacerda e Almeida, é a inocência dos rebanhos de ungulados (as "manadas de veados"). Alguém acha que hoje seria assim?

(1) Foi um dos membros da comissão encarregada de demarcar os limites entre as terras sob domínio português e espanhol na América (1780 e 1781).
(2) ALMEIDA, Francisco José de Lacerda e. Demarcação dos Domínios da América Portuguesa. São Paulo: Typographia de Costa Silveira, 1841, p. 76.
(3) Ibid., pp. 76 e 77.


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