sexta-feira, 29 de julho de 2016

O consumo de palmito por navegadores, náufragos e colonizadores do Brasil

Os portugueses que vieram ao Brasil na esquadra comandada por Cabral já estavam familiarizados com o uso do palmito como alimento. Como podemos ter certeza disso? É simples, há duas referências na Carta do Achamento, escrita por Pero Vaz de Caminha. Na primeira delas, lemos:
"Ao longo dele [um pequeno rio] há muitas palmeiras e não muito altas, e muito bons palmitos. Colhemos e comemos muitos deles."
A segunda guarda alguma semelhança com a primeira, mas trata de uma ocasião posterior:
"Foi o Capitão com alguns de nós um pedaço por esse arvoredo até um ribeiro grande e de muita água, que ao nosso parecer é o mesmo que vem ter à praia, em que nós tomamos água. Ali descansamos um pedaço, bebendo e folgando ao longo dele, entre esse arvoredo que é tanto, tamanho, tão vasto e de tanta qualidade de folhagem que não se pode calcular. Há lá muitas palmeiras, de que colhemos muitos e bons palmitos."
Como os leitores podem ver, as palavras de Caminha demonstram que ele já sabia o que é que havia dentro das palmeiras e apreciava o sabor - falaria duas vezes em "bons palmitos" se não gostasse deles?
Nas décadas subsequentes, quando naufrágios na costa do Brasil não eram eventos incomuns, a existência de palmeiras (e, portanto, de palmitos) era importante na alimentação de sobreviventes. Hans Staden, que esteve no litoral sul do Brasil no Século XVI em companhia de navegadores espanhóis, relatou que, procurando alguma coisa para comer, derrubaram uma palmeira para extrair dela o palmito. Isso prova que também entre eles o palmito era bem conhecido. Bandeirantes que iam ao sertão nos Séculos XVII e XVIII eram consumidores habituais de palmito. Entravam na mata e, com a ajuda de indígenas, tratavam de localizar as palmeiras adequadas. Náufragos e bandeirantes procuravam palmito por uma questão de sobrevivência, não como uma especialidade gastronômica. 
Apesar disso, entre os viajantes europeus que vieram à América do Sul no Século XIX, alguns davam mostras de que experimentavam palmito pela primeira vez. Foi o caso do naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire. Ao percorrer terras do atual Estado do Rio Grande do Sul e do Uruguai pouco antes da independência do Brasil, observou:
"Esta manhã, o tenente da guarda de Angostura me fez comer cru o novo gomo de uma de suas palmeiras; o gosto me fez lembrar o da castanha crua, mas é infinitamente mais delicado."
A percepção do sabor é algo bastante individual, não há dúvida, mas acho discutível comparar o palmito à castanha crua - o que pensam os leitores? Não obstante, ao descrever o sabor como delicado, parece que Saint-Hilaire dava a ele sua aprovação. 
À parte disso, cabe registrar que, há séculos, palmeiras adultas vêm sendo cortadas apenas para extração do palmito. Não surpreende, portanto, que, com tanto desperdício, haja variedades ameaçadas de extinção.


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