Administradores e militares que estiveram no chamado "Brasil Holandês" no Século XVII demonstravam uma intensa curiosidade sobre a fauna e a flora da América do Sul. Tinham também muito interesse em compreender o modo de vida dos povos indígenas com os quais entravam em contato. Não poucos desses europeus chegaram a ter um razoável conhecimento da língua predominante entre os ameríndios que, na época, viviam no Nordeste do Brasil.
Joan Nieuhof esteve em Pernambuco entre 1640 e 1649. A maior importância de sua obra está ligada aos relatos vívidos que deixou das escaramuças entre os defensores do domínio holandês e os partidários de senhores de engenho de origem lusitana. Não obstante, em sua Memorável Viagem Marítima e Terrestre ao Brasil há também descrições pitorescas do que era, então, a vida diária no Nordeste açucareiro. É fato que algumas dessas informações são provenientes de outros autores (como Piso e Markgraf), mas Nieuhof viveu bastante tempo na América do Sul e tinha muito para contar.
Uma de suas observações, com certeza resultante do contato com indígenas, refere-se ao modo como eles assavam carne. Escreveu Nieuhof:
"Para assar carne, procedem da seguinte maneira: cavam um buraco no chão, forram-no com folhas sobre as quais colocam a carne que vão preparar; cobrem-na com folhas da mesma espécie e depositam sobre uma camada de terra ou areia. Sobre essa arrumação acendem uma fogueira, que deixam arder até que presumam estar a carne suficientemente assada. Se acertam o ponto, a carne fica excelente, melhor que a preparada por qualquer outro processo. A esse sistema de preparar chamam Biaribi." (*)
Façamos umas poucas considerações:
- Nieuhof falava apenas de indígenas do Nordeste do Brasil e, portanto, ninguém deve supor que a mesma técnica fosse seguida por todos os demais grupos ameríndios;
- Ao contrário do que ocorria com muitos colonizadores, Nieuhof parecia ter grande interesse na cultura local, e sua observação sobre a preparação da carne assada sugere que, provavelmente, chegou a experimentá-la;
- Sendo nômades ou seminômades, os indígenas dominavam técnicas simples de sobrevivência que podem ter sido muito úteis aos militares europeus durante os anos de guerra em Pernambuco, quando era necessário lutar em áreas sem quaisquer dos recursos comuns à civilização da qual provinham.
Para algum leitor que esteja inquieto quanto ao que aconteceu a Nieuhof (sabendo que a Companhia das Índias Ocidentais foi obrigada a sair do Brasil), informo que ele, ao perceber que o domínio holandês no Nordeste estava com os dias contados, conseguiu, depois de muita insistência, uma autorização para regressar à Holanda. Mais tarde continuou suas andanças pelo mundo afora, até que desapareceu sem que dele houvesse mais notícia. A primeira edição da Memorável Viagem Marítima, publicada em Amsterdã no ano de 1682, foi iniciativa de seu irmão, que quis prestar-lhe uma homenagem.
(*) NIEUHOF, Joan. Memorável Viagem Marítima e Terrestre ao Brasil. São Paulo: Livraria Martins, p. 303.
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