segunda-feira, 20 de julho de 2015

Leilão de deuses

Estátuas de deuses penhoradas iam a leilão na Roma Antiga


Uma das mais frequentes acusações contra cristãos perseguidos no Império Romano era que, como adeptos de uma nova crença, não prestavam culto aos deuses popularmente venerados (como Saturno ou Juno, por exemplo). Assim, estariam desprezando as antigas tradições de Roma e eram, por consequência, dignos de morte.
Imperador Sétimo Severo (²)
Foi pela época da perseguição movida, a princípio pelo Senado, e depois apoiada pelo imperador Sétimo Severo, que Tertuliano escreveu sua famosíssima Apologia (c. 200 d.C.), obra na qual se propunha a defender os cristãos e sua fé diante dos ataques que sofriam. "Dizem que nós os cristãos", afirmou ele, "somos réus de sacrilégio e lesa-majestade, uma vez que não prestamos culto aos deuses e nem oferecemos sacrifícios em favor do imperador". (¹)
Vê-se que Tertuliano não negava a acusação, e nem havia motivo para fazê-lo. Os cristãos, como todo mundo sabe, eram e são monoteístas. O que Tertuliano se propôs a fazer foi mostrar que, embora não prestassem culto aos deuses de Roma, os cristãos nem de longe eram, com eles, desrespeitosos como os próprios romanos. Com isso registrou para o futuro um fato no mínimo curioso, que já veremos.
Júpiter (³)
Era comum em Roma que alguém, precisando de dinheiro, penhorasse um ou mais objetos. Ora, nem mesmo as estátuas dos deuses eram poupadas. Ocorre que, se não fossem resgatadas, as ditas estátuas iam a leilão em praça pública, juntamente com outras mercadorias, ou seja, no mesmo lugar em que eram comercializados legumes, verduras e outros gêneros alimentícios. E lá ficava o leiloeiro a apregoar a venda de uma estátua de Hércules, ou de Diana, ou de Júpiter... Quem quer comprar? Quem dá mais? Um Júpiter bonito, em muito bom estado!...
É pouco provável que Tertuliano tenha inventado essa história. Já que pretendia fazer a defesa dos cristãos, não iria elencar argumentos falhos, inúteis ou que fossem reconhecidamente mentirosos. Isso apenas reforça a afirmação de que, quando o cristianismo chegou a Roma, já encontrou os antigos ritos tradicionais em franca decadência. Suas festas eram ainda celebradas (afinal, eram festas!), mas os deuses já não convenciam quase ninguém quanto a supostos poderes sobrenaturais. Eram antes uma questão de tradição que de crença, propriamente. O caminho estava aberto, portanto, para uma nova religião, com pressupostos bem diversos daquela que antes fora praticada em Roma, ainda que, com o passar dos anos, a corrente majoritária do cristianismo tenha acabado por assimilar uma série de práticas típicas da religiosidade greco-romana. É o que se chama sincretismo.

(1) Tradução de Marta Iansen para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(2) STRONG, Eugénie. Art in Ancient Rome vol. 2, New York: Charles Scribner's Sons, 1928, p. 157. A Imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(3) Ibid., p. 166. A Imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.


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