terça-feira, 22 de junho de 2021

A colheita do milho em São Paulo no começo do Século XVII

Em época de safra, as festas do milho se espalham por quase todo o Brasil. São uma velha tradição, embora hoje pouca gente trabalhe diretamente na lavoura, mas festa sempre é festa e há público suficiente para apreciar bolo, curau, pamonha e outros petiscos feitos com milho-verde. Já houve tempo, porém, em que empregar todos os braços disponíveis para a colheita do milho era questão de sobrevivência. Os dias de safra eram seguidos, como se sabe, por uma comemoração, aproveitando as virtudes culinárias do milho-verde que não estariam disponíveis em outras épocas do ano.
Foi no comecinho do Século XVII. Os oficiais da Câmara da Vila de São Paulo, que deviam comparecer habitualmente a reuniões quinzenais, tomaram uma decisão que, tanto tempo depois, vem nos mostrar que nem mesmo os figurões da administração local escapavam do trabalho na lavoura quando era hora de colher o milho. A ata registrada em 10 de fevereiro de 1601 dizia:
"[...] requereu o procurador [...] aos ditos oficiais que houveram de pedir ao senhor governador que, porquanto agora eram os tempos de colher as novidades do milho e entravam os dias santos da Quaresma, houvesse férias por tempo de dois meses, conforme a Ordenação, e se passasse por este tempo, porquanto em nenhum tempo do ano convinha melhor que elas corressem senão agora, para bem e quietação de todos e proveito da terra [...]." 
Colheita do milho e quaresma - ocasião para férias, portanto, conforme se requeria. Era preciso trabalhar na roça, supervisionar as "peças" (*) na colheita e, claro, como gente religiosa que era essa, dedicar tempo aos ofícios quaresmais. Tudo de acordo com as Ordenações que, de fato, previam férias de dois meses para os magistrados, na época da colheita do trigo e das uvas. Sem dificuldade, poder-se-ia dizer que o milho era o "trigo da terra", e tudo se arranjaria. Note-se apenas que, neste caso, as férias propostas pela Câmara não aconteceriam muito depois do início do ano... Deviam culpar o Sol, o Hemisfério Sul, e sabe-se lá que mais, por esse inconveniente. Notem também, leitores: era 10 de fevereiro, mas ninguém, ninguém mesmo na Câmara, falou em celebrar o entrudo (carnaval), nos três dias que precediam a Quaresma. Os oficiais eram gente muito séria.

(*) Indígenas submetidos a trabalho compulsório.


Veja também: 

2 comentários:

  1. Interessante post sobre a forma como a comunidade caprichava na sua subsistência.
    Os oficiais poderiam ser gente muito séria mas, deduzo eu, importante para eles deveria ser o quinhão de milho a que teriam direito. Ou não?

    Fique bem, Marta

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    Respostas
    1. Tão importante quanto o quinhão de milho devia ser o tempo livre de compromissos públicos para que o entrudo fosse celebrado com todas as honras. As coisas não mudaram tanto assim nesses quatrocentos e poucos anos.
      Obrigada por ler e comentar. Tenha uma ótima semana!

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