"Quando Felícia apareceu, trançando o xale, persignou-se e soprou a lamparina. À luz de um fósforo, foram as duas seguindo pelo corredor escuro.
O céu estava negro e pesado e um vento frio soprava do mar. Felícia fechou a porta e, cautelosamente, raspando a soleira, escondeu a chave no lugar convencionado."
Coelho Neto, O Turbilhão
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Anúncio de fósforos, 1929 (¹) |
Uma ideia duplamente brilhante: palitos de madeira, tendo em uma das extremidades um composto facilmente inflamável ao atrito contra uma superfície áspera. Vários inventores trabalharam para tornar os palitos de fósforo, criados na primeira metade do Século XIX, em objetozinhos seguros, práticos (porque portáteis) e baratos, um fator nada desprezível. Os leitores que foram (ou são) escoteiros provavelmente sabem que é possível fazer fogo com facilidade quando se dispõe de uma pilha comum e de uma esponja de aço. Cuidado, crianças, não brinquem com isso! Mas, na Antiguidade, fazer fogo dava trabalho, e quem já tentou obter uma chama a partir do atrito de duas pedras sabe bem do que estou falando. Assim, quando um grupo de pessoas saía de uma cidade para fundar outra, coisa que foi comum na antiga Grécia, levava consigo, com todo o cuidado, o fogo que se acendera no altar do principal templo da comunidade de origem, porque, mesmo crendo em mitos e tratando de repeti-los para as novas gerações, todo mundo sabia que não iria aparecer nenhum Prometeu trazendo o fogo roubado dos deuses. Era prudente, pois, e também poético e misterioso, levar uma amostra do fogo sagrado, com o qual seria aceso o primeiro altar de um futuro templo, no lugar escolhido para a fundação da nova colônia. A partir dele, ao menos teoricamente, seriam acesos também os altares domésticos, para veneração dos ancestrais de cada família. Mais prosaicos, conquanto indispensáveis, fogões de cozinha também precisavam de fogo, sagrado ou não, útil igualmente para iluminação e aquecimento.
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Outro anúncio de fósforos, 1926 (²) |
Os palitos de fósforo, convenhamos, foram uma libertação. Manter acesos fogões a lenha não era muito difícil. Mas, com a crescente urbanização e o surgimento de outros tipos de fogões - a gás, por exemplo - os palitos de fósforo tiveram emprego garantido, e foi assim até que fogões com acendimento automático entraram em cena. Não obstante, fósforos ainda têm muita utilidade.
Publicações brasileiras da primeira metade do Século XX traziam frequentemente anúncios de vários fabricantes de fósforos, e dois desses podem ser vistos aqui. Aos leitores será divertido imaginar, suponho, como era o mundo quando caixas de fósforos eram itens de consumo desejáveis, a ponto de justificar publicidade em revistas.
(1) O MALHO, Ano XXVIII, nº 1428, Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 1929, p. 62.
(2) O MALHO, Ano XXV, nº 1266, Rio de Janeiro, 18 de dezembro de 1926, p. 3.
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