Quem causava as "febres" diversas, endêmicas, no Século XIX, na Província de Mato Grosso? João Severiano da Fonseca, médico veterano da Guerra do Paraguai e integrante da comissão designada para demarcar as fronteiras do Brasil com a Bolívia, atribuiu as enfermidades, como muitos outros o fizeram, aos "miasmas" emanados por elementos em decomposição nas águas de rios e pântanos: "[...] as miríades de peixes e de anfíbios aí vindos na enchente, presos e mortos na estagnação e putrefazendo-se na seca; esse imenso prado aquático, que também morre e apodrece, são, com efeito, um foco perene de febres miasmáticas [...] quando o nímio ardor do sol, no verão, as putrefaz, fermenta e evapora" (¹). Disse ainda: "[...] há miasmas organizados em suspensão, [...] cheios de vida e que volteiam na atmosfera, corrompendo a pureza do ar respirável" (²).
Mas não foi só. Culpou, também, "a frequência dos banhos ao rigor do sol, em águas às vezes encharcadas e quentes, e sob quaisquer condições fisiológicas em que estejam os banhistas, após as refeições ou suarentos e cansados" (³), crendo que esse hábito explicaria, ao menos parcialmente, a ocorrência das febres intermitentes.
Indo mais longe, responsabilizou até a atividade pesqueira pelas doenças: "Quase que o dia inteiro passa essa gente sobre as águas, pescando, mais por hábito do que por necessidade, expostos aos raios do sol, cujos ardores buscam mitigar atirando-se frequentemente ao rio, expostos às emanações mais ou menos nocivas dos detritos aquáticos, comburidos ao nímio calor do sol" (⁴). E concluiu, enfaticamente: "Com tais hábitos não é de estranhar o envenenamento palustre, mas sim a pouca intensidade dos seus efeitos" (⁵).
Tão perto da causa do problema, mas, ao mesmo tempo, tão longe! João Severiano da Fonseca negou, com acerto, que a sugestão que se fazia em seu tempo, de plantar árvores para purificar o ar, pudesse ter alguma eficácia contra as febres, porque nem todas as florestas do mundo teriam essa capacidade. Não teve a ideia, contudo, de notar que, nas regiões em que principalmente havia água parada, existiam, também, zumbindo ao redor, nuvens, e nuvens muito incômodas, não de chuva, mas de mosquitos. Enquanto isso, os Anopheles, Aedes e companhia tinham liberdade para viver, procriar, voar e, tranquilamente, espalhar doenças Brasil afora. Os humanos é que sofriam por causa deles.
(1) FONSECA, João Severiano da. Viagem ao Redor do Brasil 1875 - 1878 Volume 1. Rio de Janeiro: Typographia de Pinheiro e C., 1880, p. 171.
(2) Ibid., p. 172.
(3) Ibid., p. 173.
(4) Ibid., p. 174.
(5) Ibid., p. 175.
Veja também:
Nota-se, pelo que se lê, que João Severiano da Fonseca era uma pessoa bem intencionada, com uma grande vontade de resolver o problema. Mas isso, por vezes, não chega.
ResponderExcluirUma boa semana, Marta :)
Se quisermos ser justos, devemos considerar que fez muita coisa para resolver alguns problemas relacionados às práticas de saúde (embora não se mencione isto neste post). Mas, como é óbvio, estava limitado pelo arsenal de conhecimentos científicos disponíveis em seu tempo. Não é assim, em muitos casos, o que se vê até hoje?
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